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A minha visão sobre Educação. As várias visões sobre Educação e todas as suas (e nossas) variáveis.
Esta carta tardou. Mas é provavelmente a carta mais obrigatória que já escrevi.
Aqui não sei bem como começar. Há sensações às quais não sei dar um nome, um único nome, ou um único texto.
De maio a dezembro conheci três hospitais. Um trio que cercou a minha vida, a vida da minha mãe, a vida de uma família e amigos que não podendo estar presentes conheciam os seus cantos quase graficamente, telefonicamente.
Em São José a minha mãe ficou durante dois dias numa fila de camas à espera de exames e diagnósticos. Em Santa Marta a minha mãe ficou internada e soube o diagnóstico. Em Santa Marta a nossa vida parou.
Nos Capuchos teve as consultas de quimioterapia, poucas. Em Santa Marta a minha mãe partiu, minutos depois de eu sair. Mas segurei-lhe a mão, até ao fim, como havia prometido para mim mesma, porque nunca haveria outra hipótese.
Há uma espécie de construção que nasce depois dos cacos espalhados, uma espécie de normalidade paralela, inevitável, vital para seguir em frente, uma assunção de trocar as voltas à morte.
A minha mãe passou a maior parte do seu tempo doente no Hospital de Santa Marta, numa altura absolutamente ingrata, dentro da maior ingratidão da vida. Era difícil visitá-la, era difícil ficar o tempo que desejaríamos. Mas este hospital é dotado de uma humanidade inspiradora.
Lembro-me da minha mãe dizer como é que era possível as pessoas criticarem o Sistema Nacional de Saúde. Existia (existe) um carinho, um cuidado, um empenho, um entusiasmo (possível) permanente, constante.
Há um segredo que desvendo aqui: Houve uma enfermeira muito especial, uma enfermeira que se tornou amiga da minha mãe, que se tornou minha amiga, que conseguiu um impossível. Uma enfermeira e uma médica que, num cenário de proibições, num momento de dúvida se a minha mãe sairia ou não daquele hospital, acederam a que as netas pudessem visitar a avó. Esta ato de humanidade permanecerá intacto na memória para sempre.
Em Santa Marta houve um médico que eu não conhecia que se sentou horas comigo para explicar tudo, para definir tudo. O médico que me disse que a minha mãe era muito querida por todos, a quem recorri quando a minha mãe foi para as urgências de São José. Um médico que me ligou quando saiu do hospital, fora do seu expediente. Um médico que a abraçou. As auxiliares que paravam o trabalho para se despedir da minha mãe quando saia. Uma médica que, no momento em que já não havia nada a fazer se emocionou comigo e partilhou também a história da sua mãe. A enfermeira que no final do seu turno, pelas 00h, naquela que viria a ser a última noite, não me deixou sair sozinha. Levou-me no seu carro para casa. Eu não conhecia estas pessoas. Estas pessoas não conheciam a minha mãe. Estas pessoas trataram a minha mãe com uma dedicação que vai para além do protocolo, que vai para além da função, da simpatia. Foram a nossa família de apoio direto durante meses.
Não há espaço mental regular que consiga encaixar a resiliência, o empenho, a vontade de estar presente, holisticamente, de médicos e enfermeiros. Quer num cenário quase de guerra nos claustros de São José, um espaço graficamente pesado, desolador, mas que puxa pela vida, quer nos canais de comunicação que rapidamente se abriam em Santa Marta, houve pequenos milagres que aconteceram.
A minha filha de 3 anos disse-me que tinha saudades da avó “Fama”. Pediu-me para ir ao céu buscá-la.
O Hospital de Santa Marta, todo o corpo humano deste Hospital, foi muitas vezes ao céu buscar a minha mãe. Aquele era o céu no meio dos hospitais.
Obrigada. Obrigada à equipa deste hospital.
Uso poucas vezes a palavra gratidão por ser muitas vezes um lugar comum. Em nenhum outro momento ela encontra o sítio certo e ecoa como aqui.