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Estamos todos em fila de espera para a morte.

por Maria Joana Almeida, em 14.02.22

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Este é um dia muito emotivo para mim. este é um palco muito desejado, não por vaidade, mas por ser uma homenagem à minha mãe.
Obrigada ao José Augusto Carneiro pelo carinho e pelas palavras e ao Mário Augusto por ter aceite o convite de apresentar o meu livro e incentivar-me a continuar a escrever.
 
 

Quando a minha mãe morreu, escrevi, que por muitos anos que pudéssemos viver nunca entenderíamos a lógica da vida ou a lógica da morte. Não havia lógica nenhuma na sua partida, a não ser que estamos todos em fila de espera para a morte. Este era o meu único sentimento. E é este o nome deste livro.

 

Este livro surgiu por causa da minha mãe. Surgiu da saudade e da revolta.

É um diário de, sensivelmente, um ano que retrata o que foi viver sem a minha mãe após a sua morte. É provavelmente um lugar-comum, mas efetivamente a escrita ajudou a apaziguar a raiva, a saudade e a explosão.

Os textos descrevem um processo do que foram os dias após a morte da minha mãe. Que espaço habitava passados dois dias, três, um mês, um ano. O que fica e o que vai e como se transforma. Como me fui apaziguando com a vida. Como foi difícil gerir o peso esmagador da maternidade, das responsabilidades quando estava sempre pronta a explodir. O meu trabalho, a minha relação com as outras pessoas. Descobrir outras casas e olhar para as casas que me reconstruiram.

 

No fundo sentia a vida a ferir-me e sentia essencialmente que a vida me devia muito.

 

A origem esteve numa ilustração maravilhosa da ilustradora Marta Nunes que adquiri após a morte da minha mãe. Era uma ilustração sobre a saudade. E não havia outra palavra que me preenchesse melhor do que aquela. Quando a vi e quando a comprei pensei na imagem de “mandar vir a saudade” e de se ter “instalado sozinha sem permissão”. Aquela ilustração era eu.

Depois fui seguindo o trabalho da Marta, cruzando com o que sentia. Com o que a saudade, às vezes esmagadora como uma pedra, outra como um rastilho pronto a explodir, me fazia agir e sentir. Foi claramente um processo catártico para acalmar a dor. E tenho a forte convicção que tudo o que está neste livro já (ou será) foi sentido por todos nós.

 

Tenho uma amiga que ilustrou, na minha opinião, de uma forma engraçada a minha escrita. Como uma “auto-estrada direta ao coração”. Acrescentaria que de facto há poucas curvas. É crua, mas melódica.

 

 

Ao longo do processo de escrita a fila foi-se modificando. Vivi na busca de aprender a viver de novo, outra vida. A fila traz-nos exactamente isso. Mesmo sabendo a senha que foi tirada quando nascemos. Há renascer e morrer até ao fim.

Queria, se me fosse permitido, porque a minha mãe gostaria e é como se a sentisse sentada ao pé de mim, falar um pouco sobre as pessoas que aqui estão comigo.

 

O meu pai.

 

Tinha de mudar a minha morada no cartão de cidadão o que implicava levantar-me cedo para tentar não apanhar uma fila considerável. Acordei cedo e pus-me a caminho sabendo que muito provavelmente, como tinha apanhado trânsito, teria de esperar bastante. Quase a chegar o meu pai envia-me uma mensagem a dizer: “Ainda demoras? Já cá estou e tenho uma senha para ti e está quase a chegar a tua vez”

 

Este é o meu pai.

 

O meu pai é a rede constante que tenho a amparar-me sempre. Não me deixa cair, não me deixa esquecer, se puder, não me deixa errar ou magoar nunca. Sem exigir, sem impor, sem cobrar. É amor incondicional.

 

À minha tia e ao meu tio que aqui estão, os irmãos mais novos da minha mãe que a acompanharam sempre nos últimos momentos de vida.

Pelos 40 anos de casamento dos meus pais escrevi que “(…)não me lembro de um fim-de-semana sem família ou amigos em casa. Sem um almoço ou um jantar, sem praia no Verão, sem histórias contadas na cadeira de verga na sala, sem chocolates Jubileu, sem risos. A casa dos meus pais. A de cá e a de Viseu, sempre foram (e são) como um abraço quente, reconfortante. São uma “casa”. Daquelas em que calçamos sempre pantufas mesmo quando entramos de salto alto. E aquela de onde nunca queremos sair e desejamos sempre voltar. Os meus tios são assim. Nada a ninguém faltará enquanto estiverem por perto.

Aos meus primos que aqui estão. A minha mãe também vos soube amar como filhos e como netos. Todos sentiram o afecto na casa dos meus pais. Como se sentiam abraçados e amados, de pantufas pela minha mãe.

 

Ana, Janjan e Bebé, a minha mãe foi primeiro vossa antes de ser minha. Acompanhou-vos desde pequeninas antes de imaginar ter uma filha. Eu. Depois veio o Mário, o Tó e Gonçalo que a sentiram igualmente cúmplice no amor e os vossos filhos foram os primeiros netos da minha mãe. Cresci com vocês. E a ligação é para toda a vida.

 

Às minhas amigas que aqui estão. A minha mãe dizia que esta amizade era rara. Não conhecia mais nenhum grupo assim. Vibramos genuinamente com os sucessos de todas e choramos juntas infelicidades. São outra família. Num patamar de amor igual.

 

O Mário. Aguentou o barco. Não vergou, mesmo quando era quase insuportável. Foi a parede inabalável que segurou as minhas fugas, as minhas explosões, que segurou a Maria Luísa e Madalena, a família quando eu não as conseguia gerir. Quando o peso da maternidade por cima da revolta era quase absolutamente desgastante. Quando eu tentava ser mãe e só queria ser filha.

O Mário é um pai absolutamente extraordinário. Que se moldou com o amor. A pessoa que diz que gostava de escrever como eu mas que fala em público como gostaria de falar.

 

À Luísa e ao Manuel, obrigada por me acolherem tantas vezes como uma filha também.

 

A Ana Gralheiro, directora de uma escola onde estive, fica a amizade e admiração eterna. A pessoa que me respondeu, quando liguei a dizer que iria a editar um livro “Mas qual era a tua dúvida?” Um beijo enorme para ti.

 

E termino esta apresentação com uma ideia presente num dos textos, o facto de pisarmos vários palcos em vida. Os que desejamos, os que surgem inesperadamente, os que evitamos. Hoje terei palmas e terei palmas silenciosas, que me acompanharão o resto da vida. E nas palavras da minha mãe, dita são início pelo Mário Augusto, “tenho lá tempo para morrer, tenho mais que fazer”.Temos mesmo. Temos muito a fazer nesta fila de espera

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publicado às 16:04


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