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Inclusão que atrasa inclusão.

por Maria Joana Almeida, em 30.10.21

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Se Vasco Santana fosse um entendido na Educação facilmente poderíamos resgatar uma das suas famosas frases e afirmar, convictamente, “Inclusões há muitas seus palermas”.

 

Há aquela “Inclusão de bolso”, sempre preparada para nos atirar com os clichés, dos mais fofinhos, aos mais descabidos. Entre eles temos o famoso: “Porque tu podes ser diferente, mas és igual a nós”, até ao “Mas estes meninos não são meus, deviam estar numa escola especial”.

 

A “Inclusão sabe tudo”: Os que têm na ponta da língua toda a legislação e um modus operandi por eles irrepreensível com base no diagnóstico e “cura” como uma espécie de livro do Pantagruel. Que venham novas legislações que não há nada de novo a aprender. É ver e aplicar.

 

A “Inclusão que não usa a palavra Inclusão” por deter como paradigma a diversidade e não um holofote constante sobre a diferença como forma de atos altruístas perante “os outros”. (Esta será aquela que me serve).

 

E há também, (haverá naturalmente e caricatamente, mais categorias) a “Inclusão by the book.”: gente entendida nesta área, com formação, que pretende usar “a” estratégia e “o” recurso adequado. Que pretende ensinar quem não sabe. Que centra, em 90%, nos preciosismos e tem dificuldade em avançar no que quer enquanto todo o estaminé burocrático e material exato, do catálogo exato, não estiver disponível.

 

Já muito foi dito sobre os três primeiros e por isso quero debruçar-me sobre este último. O “by the book” é um pouco mais difícil de desconstruir porque a verdade e a parte legal estão inegavelmente do lado que quem “a pratica”. É uma inevitabilidade. Por outro lado, há um aspeto que é por vezes esquecido: o valor da educação não formal e os bastidores da Educação Inclusiva. “Incluir” por livros e materiais desliga a nossa atenção no que é absolutamente essencial. As pessoas com que trabalhamos e os objetivos que pretendemos alcançar. Nada é “by the book” e nada, absolutamente nada, em educação é completamente linear. Desde a metodologia à avaliação. E esperar pelas condições atmosféricas certeiras para trabalhar, “para incluir” é absolutamente caricato.

 

Em praticamente nenhum momento, ou nem sempre, teremos todas as condições, todas as coordenadas, todo o plano para agir e atuar. Mas estes jovens existem todos os dias e não podem ficar à espera.

 

 O ensino à distância é um exemplo concreto. Há anos que se apregoava a necessidade de educar os alunos, a população para as Tecnologias de Informação, embora saibamos que o lápis e a caneta ainda configuram uma elevada percentagem do ensino atualmente. Em tempo de pandemia não houve preparação, nem momento certo, houve uma necessidade de agir e, apesar de todos os defeitos, foi o que permitiu a continuidade da escola em casa.

 

Há um “book” para a inclusão, mas o “chapéu” da inclusão mora individualmente em cada um de nós. Consoante a nossa crença. E quando esta fixa e se fecha numa categoria, sem reflexão, funcionará de igual forma ao extremo que quer separar todos os alunos. Nós e os outros.

 

Ouviremos, sem sombra de dúvida, os arautos das várias “inclusões” apregoarem que as decisões terão de ser sempre em prol dos alunos. Esquecemo-nos, bastas vezes, que a nossa crença é autocentrada e raramente altruísta. Está assente na forma como perceciono o outro. É que raramente nos queremos enganar ou ter dúvidas, quando são estas que nos permitem crescer e encontrar outros caminhos.

 

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publicado às 20:56

Cometer caridade na Educação.

por Maria Joana Almeida, em 17.10.21

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"António Lobo Antunes escreveu uma crónica (“Os Pobrezinhos”) de que gosto particularmente, usando com frequência para expressar alguns atos. "Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha família os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida. Os pobres, para além de serem obviamente pobres (de preferência descalços, para poderem ser calçados pelos donos; de preferência rotos, para poderem vestir camisas velhas que se salvavam, desse modo, de um destino natural de esfregões; de preferência doentes a fim de receberem uma embalagem de aspirina), deviam possuir outras características imprescindíveis: irem à missa, baptizarem os filhos, não andarem bêbedos, e sobretudo, manterem-se orgulhosamente fiéis a quem pertenciam. Parece que ainda estou a ver um homem de sumptuosos farrapos, parecido com o Tolstoi até na barba, responder, ofendido e soberbo, a uma prima distraída que insistia em oferecer-lhe uma camisola que nenhum de nós queria”

 

Não gosto da palavra caridade. Gosto da palavra solidariedade, mas ainda assim, são bastas as vezes em que andam de mão dada, e numa espécie de osmose torna-se impercetível onde começa uma e acaba outra.

 

Nas escolas também há os pobres, de uma forma mais encapuçada. Não são descalços, nem rotos, alguns até são bem vestidos “e de boas famílias”, mas tiveram o azar, ou a sorte de pertencer a uma alínea de um decreto e a partir daí abriu-se a caixa de pandora. São “os outros”.  São aqueles que são lembrados no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência e que passam a fazer parte de um palco de uma espécie de Got talent onde as suas histórias de coragem e perseverança, apesar de terem uma deficiência (“os outros”), dão o mote a um altruísmo irresistível. Há um dia em que são lembrados que são pobres. Pobres de anonimato, pobres do “Nós”, pobres do grupo, pobres de espaço.

 

Em dias específicos colocam-se pequenos lembretes a dizer que “és diferente de mim, mas igual por dentro” e que “cada pessoa tem a sua maneira especial de ser bonita”, para lembrar ao pobre que faz parte de outro leque. Que tem um constante holofote sobre si, mais para salvar os outros do que a si próprio.

 

Normalmente os dias específicos são no início do ano (basta recordar um texto que é muito comum de ler nas redes sociais nos inícios do ano letivo, apelando a não nos esquecermos dos meninos diferentes) e no Dia Internacional das pessoas com Deficiência.

 

São alunos acometidos de caridade e de solidariedade. Com trabalhos de voluntariado pontuais, com testes adaptados não à sua individualidade, mas daquilo que padecem no conceito geral de cada um.

 

A minha grande questão e o meu problema com estas atitudes não se prendem apenas com aquilo a que por vezes me soa um pouco a displicente, mas com a perda de tempo em relação aquilo que é efetivamente importante: as limitações de liberdade no acesso ao emprego; no acesso à via pública; nas universidades; nos números de empregabilidade de muitos de nós. Sim, nós. Não os outros. Assumamos, de vez, a diversidade.

 

Os indicadores de direitos humanos de 2020, publicado pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos revela uma percentagem que tem vindo a subir desde 2011. Com uma taxa de empregabilidade de 5% em 2011 para 13,5% em 2019. O sistema de quotas implementado desde 2001 e os projetos responsáveis de visibilidade deste problema têm permitido esta tendência crescente de empregabilidade. E é neste ponto que é necessário focar. Este crescimento não acontece, nem pode acontecer quando exigimos menos daquilo que um aluno pode dar independentemente das suas limitações. Quando acomodados por uma expetativa toldada pelo preconceito nivelamos por baixo oferecendo palavras e desenhos. Como diz Sandro Resende responsável pelo projeto Manicómio, “São 4 anos de dignidade, não são 4 anos de folhas A4”. É que ainda há muitos alunos presos em folhas A4.

 

Compreendamos o seguinte, quando falamos de Educação Inclusiva, falamos de Educação. Ponto."

(in Jornal "Público", 14 de Setembro de 2021)

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publicado às 17:12


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