
O meu pai (fiel e orgulhoso leitor dos meus textos) pediu-me para escrever no dia da mãe.
Comprei este livro numa livraria maravilhosa em Bruxelas quando estava grávida da Madalena e quando ainda tinha a minha primeira casa. Não era uma casa. Foi uma fortaleza. Em tudo.
Num dos dias da mãe, almoçamos no Avillez no Chiado. Provamos os seus croquetes e disseste, com uma certa evidência vaidosa no olhar: "os meus ainda são melhores". Sorrimos triunfantes.
Jantamos num Goês e amaste. Estavas sempre pronta a experimentar tudo. A comida era, é, um universo de amor.
Não te poderei oferecer nenhum presente hoje. E este dia é particularmente filho da mãe porque não posso sentir-me em casa. É como se estivesse numa rua vazia, sem nada para me conter, sem um espaço para me sentar, sem um rosto para olhar. Sem o meu colo para me deitar.
Talvez, acredito que certamente, o maior presente que te poderei dar, aquele que me pode ajudar a manter a casa mais preenchida é o amor e a vontade perante a vida que sempre tiveste. A maneira como te deixavas arrebatar pela vista nas Azenhas do mar, no Douro, na Madeira. Como quase choraste no ballet contemporâneo a que te levei no Teatro Camões (queria ter-te contado como me senti na peça que fui ver há pouco tempo no Dona Maria). Como te emocionavas perante a beleza. Era absolutamente inspirador e reconfortante.
Já doente, disseste: "Dava-me algum jeito morrer agora, tenho mais que fazer!"
Este amor à vida (que Camus tão bem escreveu). O sentido de humor perspicaz, às vezes cáustico, às vezes negro, mas sempre pronta para pôr a vida em sentido. Olha-la nos olhos, para a enfrentar.
Tenho tudo isso mãe. É de ti.
E quando chega o final do dia, numa espécie de dever cumprido, sinto-me um pouco em casa. Oiço o "És tão bonita" e imagino o teu olhar a brilhar.
Este é o presente que te posso dar.