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A minha visão sobre Educação. As várias visões sobre Educação e todas as suas (e nossas) variáveis.
Maria Madalena.
Nasceste no ano das palavras más. 29 de Fevereiro trouxe na sua génese, já atípica, um ano que mostrou ser o pior que poderia haver. Para mim. E para muitos.
Foste, és, uma espécie de oásis no meio de um deserto. És aqueles segundos no miradouro depois de um dia difícil. És um pequeno milagre, no que quer que isso queira dizer. Talvez este 29 diga (e dirá) muito sobre ti.
Cresceste num turbilhão de indefinições, de saídas proibidas, de muitas frustrações, de isolamentos, de medos. Mais da casa do que do mundo. Cresces numa espécie de mundo todo ele questionado e questionável. Mal havíamos saído (pouco) do buraco, caímos logo num outro mais profundo e, este sim, sem chão. Que perceção terás? Que imagem tens de uma avó que a vida decidiu trair?
Tens os cabelos loiros e olhos claros que contrastam com a escuridão de alguns dias. És simultaneamente luz e uma bússola para o amor. Terás nascido para podermos melhor resistir a esta vida. Missão que desconheces.
Não conheceste os medos e incertezas de uma primeira vez. De uma primeira filha. Houve menos “ses”. És um refúgio de um ano que quero esquecer e riscar. Um ano de onde apenas quero retirar este 29 do segundo mês e guarda-lo num espaço seguro. Não foste planeada, mas não haveria um mundo sem ti.
És mais certeza do que dúvidas. É mais fácil contigo mesmo quando é mais difícil. Tudo é relativizado e assente em ti e na tua irmã e nessa evolução, mesmo quando é sempre verão nas manhãs cá de casa porque é como se corressemos a maratona até sairmos. Mesmo quando ao final do dia o tempo parece escapar das mãos porque é sempre curto. Sempre. Mas depois há os beijos, as palavras importantes de amor e construção. As histórias escolhidas à noite de uma biblioteca já grande e recheada. E são estas últimas horas as que fazem o reset para um novo dia alimentado com certezas, com seguranças e a maratona que sabe a vida.
Obrigada Madalena. Amar tanto uma segunda vez e ao mesmo tempo é como nos deitarmos na areia num dia quente, balançar numa rede durante horas, descansar os olhos no miradouro mais bonito. É explodir de amor por dentro quando sorris.
Obrigada.
Quando após duas sessões, e num momento de reflexão de um texto, uma formanda do Curso de Técnica de Ação Educativa escreve:
"A palavra inclusão é utilizada vezes sem conta e, na maior parte das vezes, utilizada para focar o problema e não para fazer alguma coisa que promova essa mesma inclusão. Podemos dizer que há falta de recursos humanos para resolver a situação. As pessoas têm mais o hábito de colocar rótulos perdendo a noção das verdadeiras capacidades de uma criança que tenha alguma limitação. Daquilo que realmente conseguem fazer. É exatamente como diz o texto: Seremos uma sociedade mais justa quando a escola, a empregabilidade, a casa for mais justa. Quem se esforça , quem luta com mais ou menos comprometimento, tem de ser reconhecido. Isto é justiça"
Encontramos esperança e percebemos o bom caminho.
Há efetivamente palavras feitas para voar.
"O pequeno livro dos medos" de Sérgio Godinho
No decorrer de uma reunião de um conselho de turma discutiam-se as normas para o início deste novo ano letivo. Foram quase 60 minutos a discutir por que lado entravam os alunos, quem higienizava as salas, como se higienizava, se ficavam de pé, se ficavam sentados, a que distância, com que distância, tudo milimetricamente escrito e falado. Perante as dúvidas que se iam acumulando, se resultaria de uma forma ou da outra, e do risco de falhar, quando diretamente questionada uma das mentoras da turma, calmamente, respondeu: - “A vida é assim”. Não foi um “A vida é assim” equiparado a um “É o país que temos”, “Sabes como é em Portugal” ou “Estavas à espera do quê’’. Não. Foi um ”A vida é assim” entre o calmo, um ligeiro rasgo de sentido de humor e o sério. Foi acima de tudo uma frase feita que surgiu, naquele contexto, como um calmante, uma espécie de serenidade, um oásis no meio de um deserto, um lugar-comum rico de sentido.
É exatamente esta a expressão correta. “A vida é assim”. A vida empurra-nos contra a parede, tira-nos o tapete do chão, obriga-nos a que, inesperadamente tenhamos de pensar e agir milimetricamente enquanto 2020 continua a fazer o seu papel de nos manter em banho-maria sem prazo validade.
Este “A vida é assim” foi pronunciado hoje com sabedoria. Foi pronunciado por alguém que calmamente e friamente está à tona e consegue situar-se entre os antípodas. É que há ainda um longo caminho a percorrer no degradé de cinzento existente entre os arautos da desgraça e os laissez faire.
No arranque deste ano letivo, ainda a escola não abriu, e muitos arautos da desgraça esperam com fervor as suas assunções a materializarem-se num aumento de número de casos. Nestes casos parece haver um certo entusiasmo em encontrar evidências em como todo o plano de contingência é incompetente esquecendo-se de que nenhum de nós está do outro lado da barricada. Que “os portugueses” na gíria de inúmeros discursos políticos não são uma entidade onde não pertencemos. Existe também quem, genuinamente, esteja preocupado receando o pior e, também, milimetricamente encaixe a sua vida num quadrado de desinfectante, luvas, máscara e viseira minimizando o espaço possível para qualquer erro. Há quem vista o fato do imortal achando que o vírus a si não lhe assiste como se este contornasse os ”campeões”. E por fim aqueles que assumem e regem-se pelos cinzentos desta vida (desta vida que é assim) e que respeitam o que vivemos, que conhecem os cuidados básicos fazendo uso de uma cidadania plena sem objetores de consciência. Aqueles que sabem que nada pode ser controlado a régua e esquadro e que nas consequências os bodes expiatórios não são só outros. No espetro de cinzentos há quem não fuja das responsabilidades e não se coloque no alto do muro a criticar quem faz e não faz, enquanto de soslaio atira uma máscara para o chão.
Tenho uma objecção de consciência muito pessoal nos espaços onde impera o histerismo COVID, não porque não respeite o seu impacto. Respeito. Mas porque este novo vírus não nos deve fazer esquecer outras doenças que matam, que matam mais, de forma mais devastadora. O pânico,o medo, em parte legítimo, pelo seu desconhecimento, não poderá toldar tudo o resto. Houve tempos desperdiçados que poderiam ter sido valiosos. E este é também um facto não menos importante.
Não voltar à escola presencial no início deste ano letivo seria assumir que nada é pior do que este vírus, que tudo poderá ser substituído online e que todos serão uns incompetentes na operacionalização das medidas. Não voltar porque não há vacina é querer viver uma vida com livro de instruções como se vivêssemos num gigante laboratório com variáveis intocáveis.
Na era das objecções de consciência e da loucura fundamentalista instalada, sentimo-nos reféns de notícias inflamadas, opiniões irracionais e estados de alma “legitimamente” alterados.
Os casos irão certamente aumentar, não só propriamente pelo início do ano letivo, mas pela aproximação de condições climatéricas que acentuarão sintomas. Nessa altura os arautos da desgraça dissimulados continuarão a dobrar risos. Risos disfarçados de preocupações com dedo em riste para de imediato lançar culpas (mesmo que desdenhe dos cuidados básicos) a outros bodes expiatórios (os habituais). Serão perigosos porque levarão consigo alguma multidão. Esperemos, acima de tudo, que o desespero não nos atire para doenças, aí sim incuráveis, e certidões de óbito de valores e direitos adquiridos. Pouca gente se rirá depois. E teremos saudades dos inofensivos tempos da Covid.
Ela tinha cabelo escuro, comprido e um brilhozinho nos olhos, daqueles de Sérgio Godinho. Eram verdes e honestos. Arrebatadores. Era bonita. Muito mesmo. Ainda é.
Ele tinha olhos azuis, meigos, pueris. Era magro, correto, tímido, cativante. Ainda é.
Ela viveu o 25 e Abril de 1974 nas ruas de Lisboa. Encantada, perspicaz, bonita, jovem, mas de raízes. Ainda hoje faço perguntas sobre esse dia. Ele estava no Norte, no interior, não o viveu, não o percebeu de imediato. Quase ninguém o percebeu ali.
Sempre se conheceram, desde sempre. A minha mãe e o meu pai. Ele sempre fora apaixonado por ela. Como não ser..
Reencontraram-se em Lisboa, namoraram, casaram, nasci.
A Fátima e o Zeca, os meus pais, são de uma geração de trabalho, de não estarem parados, de não se queixarem. Lembro-me da minha mãe dizer, entre o jocoso e o sério: “Parece que há agora uma coisa que se chama depressão pós-parto. Eu lá tive tempo de ter uma depressão? Fui logo trabalhar” A minha mãe di-lo com a convicção de quem iria de imediato socorrer alguém que dela padecesse e de si precisasse.
A minha mãe e o meu pai sempre se moveram como um só. Sempre tiveram ambos um brilhozinho nos olhos entre eles, para mim e para o mundo. São de princípios, de valores, corretos, de família, de amigos. Nada a ninguém faltará enquanto estiverem por perto.
Os meus pais fazem hoje 40 anos de casados. Terão todos os ingredientes de um casamento de 40 anos. Os bons, os menos bons. Sempre amassaram a massa necessária para resultar. Nunca foi opção à primeira contrariedade desistirem, não por serem de uma determinada de época, mas por serem a Fátima e o Zeca. Sempre lado a lado no caminho. Sempre o “nós” em detrimento do “eu”. Com as suas cedências e exigências. Correu bem. Correu muito bem. Os frutos estão à vista.
Foram (são) 40 anos preenchidos com os outros e para os outros. Com o amor sempre visível. Não me lembro de um fim-de-semana sem família ou amigos em casa. Sem um almoço ou um jantar, sem praia no Verão, sem histórias contadas na cadeira de verga na sala, sem chocolates Jubileu, sem risos.
A casa dos meus pais. A de cá e a de Viseu, sempre foram (e são) como um abraço quente, reconfortante. São uma “casa”. Daquelas em que calçamos sempre pantufas mesmo quando entramos de salto alto. E aquela de onde nunca queremos sair e desejamos sempre voltar.
São amados, muito amados e são também inspiradores. São como se conta na igreja, no dia em que se casam. Até ao fim. Mas eles serão, para sempre, depois de qualquer fim.