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Nem só de Parasitas se fazem os Óscares.

por Maria Joana Almeida, em 14.02.20

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Tinha quinze anos quando vi “A vida é bela”. Ainda me lembro da resistência que tive em aceder ir ver o filme: “Um filme italiano?? Porquê?” Não me interessavam, nesta altura, minimamente, filmes onde não se falasse inglês.

 

Quando o filme acabou, sem qualquer exagero de drama, fiquei retida na cadeira em silêncio, com um sentimento de preenchimento que ainda não havia sentido com outros filmes. Lembro-me de pensar e dizer “Dêem o Óscar a este homem. Quem é este homem?” Até então estava longe de saber o que era o neorrealismo italiano, que linguagem era aquela tão real, emotiva, crua, pulsante. Foi o ponto de viragem do que entedia ser o cinema.

 

Vibro muito com os Óscares. Como diz uma amiga minha entre o sério e o jocoso “Eu levo os Óscares muito a sério”. Não pretendo perder tempo a pensar que tudo já está pré-adjudicado e os podres da Indústria. Todos os setores o terão. Interessa-me os substitutos de vida que podem ser os filmes, a arte de fazer refletir e de nos atirarem para o colo ideias e imagens que nos obrigam a lidar com os nossos conceitos de vida. As histórias que nos fazem eco. Adoraria ser uma espécie de Mário Augusto ou mesmo de ganhar a vida a ver filmes e escrever sobre eles. Aliás, se eu tivesse uma bucket list a primeira linha seria “Ir assistir a uma gala dos Óscares e à festa de bastidores.” Duas margaritas e estou num filme de Almodôvar.

 

Um dia fui a um workshop intitulado “A história do cinema em 7 realizadores”. O formador contou o episódio da primeira projeção feita pelos irmãos Lumière a 28 de Dezembro de 1895 na primeira sala de cinema, o Eden, em Paris e do impacto que tiveram as primeiras imagens em movimento. Lembro-me de me ter comovido ao imaginar o entusiasmo deste princípio, deste nascimento. Lembro-me também de me sentir tão pequenina por desconhecer, até aquela data, inúmeros factos históricos cinematográficos. Eu, que me achava uma enorme conhecedora desta arte, fiquei estupefacta com o quão pouco sabia. Cheguei a casa como uma criança a atropelar-me para contar tudo o que tinha aprendido. Desde o neorrealismo italiano, passando pelo expressionismo alemão, a nouvelle vague, tudo conceitos que conhecia de nome mas não sabia extamente o que era nem o seu enquadramento cronológico e eco histórico.

 

Todo este enquadramento serve para chegar ao discurso do Joaquin Phoenix nesta última gala dos Óscares.

Já pouco me surpreendem discursos politizados por parecerem, categoricamente, enviesados por modas pontuais o que os tornam incrivelmente bacocos e até ultrajantes. Ricky Gervais foi o único a surpreender-me nos últimos tempos porque soube desconstruir, de uma forma hardcore, sim, todos os pontos dos discursos sensaborões habituais. Joaquin Phoenix foi outra surpresa. Houve, no seu discurso, honestidade, o nú e o cru. Existiram as habituais críticas políticas e alusões aos temas (demasiado importantes para serem toldados por sensos comuns) que vendem sempre: racismo, homofobia, direitos dos animais, mas houve algo especial, um mea culpa essencial. Um momento de reflexão pessoal que foi disruptivo com as lengalengas comuns em que a culpa reside sempre nos outros e nunca em nós próprios.

 

Os bodes expiatórios são sempre os outros e nunca nós. Como se em todos os milímetros das nossas vidas fosse possível agir puramente e imaculadamente sem nos boicotarmos por um segundo. Em todos residem telhados de vidro que ou são perpetuados por discursos que afastam essas sombras como purgas, ou por uma assunção de mea culpa e honestisdade de saber que se erra, que se faz parte, ainda que durante pouco tempo, de um mesmo grupo que se critica de longe.

 

Este é o único tipo de discurso evangelizador em que acredito, aquele onde reside o erro mas que se apoia nele para se reestruturar, porque é humano.

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publicado às 20:29


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