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A minha visão sobre Educação. As várias visões sobre Educação e todas as suas (e nossas) variáveis.
Quando me abraças é como se fechassem todas as caixas de Pandora. Quando sorris para mim é como se derretesse internamente e tomasse todas as doses de oxitocina do mundo. Quando não te vejo por dois segundos no exterior é como se caísse em queda livre para debaixo do chão. Quando te volto a ver é como se me deitasse na areia quente depois de um banho de mar. Quando fazes beicinho é como se te quisesse engolir num abraço. Quando estou mais de um dia sem te ver é como se o meu corpo fosse a definição viva da palavra inquietação como a música de José Mário Branco.
Quando ralho contigo de manhã por estar atrasada e logo após te deixar na escola sinto remorsos. É como se ficassem em falta todos os beijos que te quero sempre dar. Quando te imponho limites e não te deixo fazer tudo o que queres não sinto remorsos porque sei que não vou estar sempre perto de ti e mais convictamente sei que um dia não estarei mesmo.
Quando desarrumas tudo por um ainda pouco auto controlo motor ou só porque tem piada, meço a minha reação pelo meu cansaço. Ou ralho ou junto-me a ti no chão criando um pequeno caos. Quando chamas ininterruptamente "Mamã" por 30 segundos, que para mim são longos minutos, é como se acabasse um treino de ginásio. Quando não chamas, sinto falta do meu outro nome.
Quando apregoo, também convictamente, que ser mãe não é claramente a única coisa que me define e que o meu trabalho e carreira é o que fazem o equilíbrio saudável digo-o enquanto penso em ti. Este equilíbrio é o que me faz feliz, o que te faz feliz, mas em caso de dúvida, corro para ti. Sempre.
Quando não era mãe era como se vivesse numa bolha muito racional com pouco espaço para dissertações emotivas, agora que sou assumo esta “irracionalidade” e gosto.
(Este blog faz quatro anos. É um blog sobre Educação, não sobre maternidade, mas como forma de comemorar nada melhor do que um texto sobre um dos maiores momentos educativos de uma vida: Ser mãe da Maria Luísa).
Transcrevo o meu último artigo no Público.
https://www.publico.pt/2019/09/23/sociedade/opiniao/extenuante-palavra-inclusao-1887596
"Assisti recentemente a um vídeo curioso. Alguém filmava um baile nas ruas de Maastricht. Ouvia-se André Rieu e dançava-se valsa. No meio havia um par que também dançava, ela em cadeira de rodas, ele em pé. Esta seria uma daquelas imagens bonitas que se colocam facilmente em qualquer abertura de um colóquio ou congresso sobre Inclusão. As cadeiras de roda são maioritariamente o símbolo de uma sociedade inclusiva, da inclusão, da boa vontade, daquela máxima “Fomos buscar uma senhora de cadeira de rodas porque estamos muito atentos, somos muito modernos, somos muito inclusivos”.
O mais interessante ao assistir a este vídeo, não foi a senhora a dançar de cadeira de rodas, foi o olhar de quem filmou, foi o “olhar” de quem ali estava. Não houve um único momento onde fosse sentido que aquela situação fosse diferente de todos os outros pares que dançavam. E porque deveria ser?
Porque falamos em Inclusão? Por que é que a Inclusão é quase como uma matéria dada à parte num determinando gabinete a uma determinada hora decretada por pontos e exemplificada num Manual? Por que é que quando uma escola tem muitos alunos de cadeira de rodas físicas ou intelectuais se aplaude chamando como exemplo de uma escola inclusiva? Realizam-se passeios, encontros, verbalizam-se palavras de apoio, palmadas nas costas, um leve brilhozinho nos olhos e um certo altruísmo do que está a ser feito, numa certa superioridade ingénua. Numa breve analogia é como se olhássemos aquele vídeo com setas de néon e câmara sempre assente na senhora de cadeira de rodas. Presa numa determinada jaula transparente.
António Nóvoa escreveu isto em 2005: “As coisas da educação discutem-se, quase sempre, a partir das mesmas dicotomias, das mesmas oposições, dos mesmos argumentos. Anos e anos a fio, banalidades. Palavras gastas. Irritantemente óbvias, mas sempre repetidas como se fossem novidade. Uns anunciam o paraíso, outros o caos – a educação das novas gerações é sempre pior que a nossa. Será?! (…) A certeza de conhecer e possuir “a solução” é o caminho mais curto para a ignorância. E não se pode acabar com isto?”
Uma dessas palavras “Irritantemente óbvias” é exatamente esta palavra: Inclusão. Partindo desta posição pressupõe-se que existe uma entidade nesta sociedade que “tem o poder” de incluir alguém que está à margem da sociedade. Se a sociedade são “todos” então voltamos a pressupor que há um “nós” e “os outros”. Uma sociedade de primeira e uma de segunda.
O Secretário de Estado da Educação, João Costa, costuma referir, em alguns encontros, uma imagem bastante reveladora desta mentalidade: Em duas turmas diferentes havia dois meninos em cadeira de rodas, um em cada turma. Numa simulação de prevenção no caso de um sismo que assistiu numa das turmas um dos colegas agarrava no menino de cadeira de rodas e colocava-o debaixo de uma mesa e ali ficava juntamente com ele. Na outra sala o aluno de cadeira de rodas ficava num espaço distante dos outros a observar os seus colegas enquanto faziam a simulação. O Secretário de Estado da Educação perguntou porque estava ele ali, que assim ele podia morrer, ao qual um aluno respondeu. “Não, mas ele não conta”. “Ele não conta… (Há espaços onde não há óbvios, nem por decreto).
Os argumentos do modus operandi de cada escola relativamente “aos outros” multiplicam-se entre: “A inclusão é impossível”; “Há falta de recursos nas escolas”. Estas são as expressões eternamente repetidas. Havia falta de recursos há 10 anos, há falta de recursos hoje, e haverá, certamente, falta de recursos daqui a 10 anos. Arrisco dizer que a falta de recursos são maioritariamente humanos e menos materiais. Não adianta ter armazenado em armários fechados inúmeros materiais se não formos capazes de tratar todos com dignidade aceitando a diversidade dentro de nós e não porque um decreto a impõe. As barreiras são efetivamente muito mais ideológicas do que físicas. Este conceito (Inclusão) é frequentemente enviesado e hermeticamente fechado em politicamente corretos. Esbarra em leituras muito próprias e que deturpam o seu sentido, porque parafraseando Rodolfo Castro, um extraordinário contador de histórias, “Quando lemos uma história a moral não está na história, a moral está em nós.
“(…) quando conseguirmos perceber a diversidade humana não mais haverá lugar à Inclusão, à exclusão, à discriminação. A Escola será um lugar de todos e para todos.” (Rui Proença Garcia)"
Não tinha sido um dia fácil. Daqueles inundados de inseguranças. Como quase todas as sextas, naquela idade, íamos sair ao nosso bar de eleição no Bairro Alto. Sentia-me triste. Liguei a um dos amigos que mais me “aturava” nesta altura e que se encontrava no outro lado do bairro. Ele, preocupado vem ter comigo, e digo-lhe as seguintes palavras: “Ó Mike, eu sou gira?” Não há palavras para a reação dele e para as gargalhadas que demos a seguir. “Mas venho eu do outro lado do bairro para tu me fazeres uma pergunta destas?” Escusado será dizer que quando estamos juntos, ainda hoje, entre amigos é inevitável falarmos deste episódio, o qual, eu ainda nego sempre dizendo que ele está exagerar.
Exagera sempre um pouco, mas não deixou de ser verdade.
Há inseguranças determinadas em cada idade, há inseguranças intemporais e há inseguranças pontuais.
Já escrevi uma vez sobre os meus amigos. Para mim são os melhores do mundo. É impagável ter amigos que nos aturam com carinho em situações que podem ser facilmente apelidadas de ridículas (sim, mereci alguns insultos – queridos – por parte do Mike depois dessa noite). Não fossem os amigos, ou as relações que estabelecemos e se calhar ainda duvidava hoje se era gira ou não (o que quer que isso queira dizer). São o nosso espelho, o nosso ombro e o nosso wake up call para nos chamarem à razão ou para simplesmente nos ouvirem nas nossas inseguranças pontuais ou intemporais.
Devo muito aos meus amigos. Quer dizer não devo, eles sabem o quanto eu gosto deles e o quanto sempre estive, e estou presente, também, para ouvir se eram giros(as) ou não.
E sim, a incredulidade dele foi também perante a pergunta descabida e descontextualizada, porque para ele era óbvio que sim. E às vezes bastam perguntas descabidas e respostas positivas para seguir noite dentro a rir.
Já escrevi para o jornal Observador a convite. Não leio todos os seus cronistas, nem sempre me identifico, mas leio sempre os artigos de Ruth Manus. No seu último texto escreveu isto: “As crianças não têm que ser boas no que fazem. Elas têm que gostar do que fazem. Têm que ser felizes dentro das possibilidades. Filhos não são instrumentos de competição, nem de realização pessoal. Filhos são indivíduos em busca de felicidade. E era para isso que os pais deveriam servir, para facilitar esse caminho. Não para exigir as melhores notas na escola, boas avaliações nos cursos de língua estrangeira, roupas limpinhas no final de um domingo e brincadeiras serenas e silenciosas. Porque isso, definitivamente, não é coisa de criança. Pelo menos não de criança feliz.”
Elementar não é? Às vezes, muitas vezes não.
Não há nada profundamente mais tocante e irresistível do que ver a Maria Luísa sorrir ou ouvi-la rir. Às vezes não porque arrumou os livros no cesto, ou porque não se sujou a comer a sopa. A maior parte das vezes porque pôs sopa no cabelo ou porque foi apanhada a atirar brinquedos para a banheira. Os meus sorrisos, nestes casos, são proporcionais ao nível de cansaço. Se a mente estiver limpa, estes são momentos que proporcionam sorrisos iguais aos momentos em que usa adequadamente a colher e quando arruma os brinquedos corretamente.
O tempo e o trabalho nivelam o nosso humor e são muitas as vezes (vezes demais) que ficamos incapazes de filtrar os excessos e discernir de uma forma equilibrada perante as mais variadas situações. E muitas vezes, demasiadas vezes, nesta ligação incontrolável aos nossos filhos, queremos negar que são (serão) seres independentes de nós e exigimos, ingenuamente, que caminhem num percurso desenvolvido e arquitetado por nós, aquele que consideramos o certo, ou porque o somos ou porque não o chegamos a ser. Às vezes confundimos e chamamos também a isto de amor.
Nesta teia complicada em tentar encontrar papéis definidos e apaziguamento nesta relação podemos cair facilmente em fundamentalismos. Por medo, por desconhecimento, por egoísmo, por amor. E nestes encontros e desencontros perdemo-nos no que é realmente a felicidade e ouvimos frases como: “Se o meu filho ficar mais um ano no pré-escolar, perde um ano na faculdade”. Ou, em antítese, “Eu não me interessa se o meu filho aprende a ler ou a escrever, interessa-me que ele seja feliz” E se numa frase me questiono como podemos definir um futuro tão certo e sem espaço para erros ou imprevistos, noutra questiono como se pode ser feliz sem os maiores instrumentos de liberdade?
Ser feliz não é competição nem desleixe. Não são regras rígidas e absolutamente inflexíveis, nem um laissez faire. Não é destruir sonhos nem colocar na beira de um abismo por um sonho absolutamente improvável. É qualquer coisa no meio, próprio de cada criança e contexto.