Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Porque o afeto é revolucionário.

por Maria Joana Almeida, em 15.12.17

 

caixa.jpg

 

 

(Vou chama-la de Alice. É um nome fictício, mas é uma pessoa real)

 

 

Alice está na casa dos 60, é cabo verdiana e é minha formanda no curso de alfabetização. Está a aprender a ler e a escrever, o seu grande sonho que ficou desde logo registado na primeira entrevista.

 

Alice iniciou esta formação há sensivelmente ano e meio. Não sabia pegar corretamente num lápis, não conhecia nenhuma letra, não tinha a competência óculo manual desenvolvida para passar para o caderno o que estava no quadro. Tinha a letra grande e tosca.

 

Alice acordava (e acorda) todos os dias às 04h da manhã para ir trabalhar, faz limpezas numa empresa. Às 09h30 em ponto está na formação para, como diz, “não perder o comboio”. Sai da formação às 12h30 e volta ao trabalho para regressar a casa pelas 20h. Não há uma queixa, não há uma palavra brusca. Há um constante sorriso e vontade de aprender.

 

Alice não ia às compras porque tinha medo de ser enganada, era ajudada pela irmã e pelos filhos. Não sabia lidar com o dinheiro. Quando recebia uma carta em casa, não sabia para quem era, não reconhecia nomes, tinha de pedir ajuda.

 

Passado sensivelmente um ano e meio Alice tem uma letra bonita, esforçada.  Lê, escreve, faz contas. Alice reconhece nomes nas cartas; sabe o valor do dinheiro, conhece todas as letras, compreendeu o mecanismo da leitura e até já lê casos especiais de leitura. Tem o seu ritmo, que é respeitado, e que a levou até aqui. Ao sonho.

 

Eu e Alice temos uma boa relação, que vai para além, como deve ir quando queremos criar o espaço para alcançar sonhos, da professora – aluna. Há um enorme respeito mútuo e um carinho muito grande.

 

Alice sabe que vou ser mãe de uma menina. Sabe que se vai chamar Maria Luísa. Um destes dia pediu-me para escrever o nome dela num papel. “Maria” sabia, mas Luísa estava na dúvida e não se queria enganar.

 

Esta semana ofereceu-me uma caixa de madeira, feita à mão, “de uma senhora muito habilidosa que faz. Ofereci uma à minha sobrinha e quero oferecer-lhe esta a si. À minha professora”.

 

 

E é isto, O afeto é de facto revolucionário.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 20:51


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2016
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2015
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D

subscrever feeds