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A minha visão sobre Educação. As várias visões sobre Educação e todas as suas (e nossas) variáveis.
Quando analisamos as áreas de leitura e escrita compreendemos que a Psicomotricidade é absolutamente indissociável do desenvolvimento destas competências. Embora seja uma área indispensável, não é uma das primeiras abordagens pensadas por pais e professores devido, ainda, ao pouco conhecimento do seu valor e contributo.
O João Costa, com o qual tenho o privilégio de também trabalhar atualmente, é Psicomotricista e trabalha há vários anos com crianças e jovens com diversos quadros clínicos. É diretor do Instituto de Terapias Expressivas em Lisboa e Professor Assistente Convidado pela Universidade de Évora, lecionando no Mestrado de Psicomotricidade Relacional. Conhece a realidade de muitas escolas e apresenta uma abordagem relacional, com ao qual muito me identifico, no trabalho que desenvolve.
Na procura de mais respostas sobre esta área e de forma a dar a conhecer os seus principais objetivos, bem como o trabalho imprescindível que desempenha, decidi pedir ao João um contributo sobre a importância da Psicomotricidade no desenvolvimento da criança.
Obrigada João
1 – Quando abordamos o conceito Psicomotricidade percebemos que ainda é pouco claro para alguns professores e especialmente alguns pais. Como definirias esta área?
A Psicomotricidade é uma disciplina muito recente em Portugal. Daí ser pouco conhecida no ambiente escolar como recurso às aprendizagens, e também pouco difundida junto da comunidade em geral. Todavia, no seu país de origem, a Psicomotricidade é amplamente conhecida no meio escolar/educativo e em ambiente clínico.
Trata-se de uma área que poderíamos designar como híbrida, isto é, na sua construção temos influência da psicologia, psiquiatria, psicanálise, pedagogia , neurologia.
A Psicomotricidade pode ser encarada como uma forma de psicoterapia de mediação corporal, onde o corpo, o espaço, a expressão motora, o gesto, o movimento, a atitude tónica, são os suportes eleitos.
A comunicação infra-verbal, mimo gestual e verbal, são o elo das relações que se estabelecem e que passa pelo emocional e afetivo.
Se necessário em progressiva verbalização, desde as descrições das sensações, à conversa dos sentimentos e emoções das situações vivenciadas.
2 - Quando achas necessário, ou quais são os sinais de alarme, que no teu entender não devem ser ignorados pelos pais e que necessitam da intervenção de um psicomotricista?
Numa primeira abordagem quando os padrões do desenvolvimento são adquiridos tardiamente, quando os pais têm duvidas devem cedo procurar profissionais de forma a “encontrar” os casos precocemente para uma maior facilidade de remoção dos sintomas; quando é descrito “desencontros” nos ritmos circadianos - os meninos gostam de brincar durante a noite e dormem durante o dia; quando a comunicação não é concordante, quando não olham nem apontam o que querem. Quando no ambiente escolar não “sabem” respeitar as hierarquias….
3 - A Psicomotricidade tem um papel fundamental ao longo da nossa vida e o espaço do pré-escolar é um espaço por excelência para potenciar esta área. Quais são as atividades que achas fundamentais serem desenvolvidas?
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A fase pré-escolar é um espaço excelente e obrigatório “trabalhar” o pré-escolar, a simbolização para assim poder entrar no mundo académico que é dominado pelos símbolos e abstração. Para se adquirir de forma consistente esta etapa, devemos promover frequentemente os jogos de faz-de-conta, de construções de ideias, promover a criatividade, de promover a autoestima utilizando situações em que as ações sejam fáceis de fazer para que a criança se sinta confiante e segura, estas atividades são sempre acompanhadas com o substrato afetivo e emocional, para organizar as memórias afetivas. Assim temos o prazer de fazer. Ao “trabalharmos" estas áreas estamos a fomentar o pensamento simbólico.
4 - De que forma é que a psicomotricidade pode estar relacionada com a dificuldade na aprendizagem da leitura e escrita?
O conhecimento adquire-se a partir da proxémia, do eu e do outro – noção do espaço, da distância, da proximidade, da leitura do tempo das expressões, da compreensão do corpo no espaço, da ordinalidade, o primeiro, o segundo…
Da segurança - a segurança potencia e disponibiliza para o conhecimento; o conhecimento aumenta a segurança
As crianças felizes aprendem melhor.
Por outro lado os sinais ou sintomas ligados à atenção e irrequietude, são motivos para uma intervenção pela psicomotricidade, porque aí o movimento é um instrumento de uso e não um problema. Henri Wallon dizia que a criança necessita de se movimentar para poder pensar.
Também as perturbações ligadas ao espetro do autismo, em muitos países, e eu concordo em absoluto, a psicomotricidade é a primeira indicação clínica pois para haver um curso do pensamento organizado é necessário um corpo coeso e bem habitado.
5 - Há muitos anos que trabalhas com crianças e jovens sendo o espaço escola um espaço que te é muito familiar. Qual a tua visão da escola atualmente e quais os seus principais desafios atuais?
As crianças têm evoluído muito, as tecnologias também muito, a velocidade de informação é vertiginosa, mas a escola enquanto instituição não tem acompanhado esse desenvolvimento. Aprendemos muitas coisas fora da escola. A escola não deve ser apenas um espaço para fazer aprendizagens académicas, isso é redutor, é do século passado. É necessário ligar as aprendizagens à antropologia, à evolução da espécie, ao sentido da vida e isso é um assunto que não passa apenas pelos professores e pais.
Há um desencontro estonteante do que se aprende e para que servem essas aprendizagens.
Por outro lado a escola não deve ser vista apenas pelos professores e alunos. Alunos que por vezes deixam de ser pessoas, e são vistos, simplesmente, como máquinas de aprender. São necessários outro tipo de profissionais para que nem os professores se sintam sozinhos e com sentimentos de incapacidade resolver todas as situações emergentes, nem as crianças obrigadas apenas a obedecer.
Por outro lado, os professores necessitam de facilitar as aprendizagens e não fazer delas um problema: é necessário mais tempo para a” ensinagem”, reflexão e aprendizagem.
Pretendemos uma escola inclusiva, muito bem, então comecemos pelos professores, que sejam incluídos na escola para criar uma escola segura, que os professores tenham segurança para poderem gostar e ter prazer de ensinar, e não ao contrário, criar instabilidade nos professores.
Vamos começar por aí
No passado dia 3 de março tive a oportunidade de dar um pequeno contributo sobre as competências de leitura e escrita num encontro intitulado “Ler bem e bem escrever em casa e na escola” na Biblioteca Municipal do Entroncamento.
Link de acesso audio:
http://www.entroncamentoonline.pt/portal/artigo/joana-almeida-fala-sobre-%E2%80%9Cler-bem-e-bem-esc#.WL2PGwLJ72c.facebook
Sem me querer alongar sobre a exposição deixo três considerações que considero fundamentais:
- Ler e escrever são ferramentas de liberdade e é função da escola, em conjunto com a família, permitir tornar-nos mais hábeis nestas competências. Aprender a ler e a escrever requer um ensino explícito e sistematizado existindo pré-competências que são essenciais neste processo: Criar uma ligação afectiva com a leitura; brincar com os sons para aprender a discrimina-los (consciência fonológica) e desenvolver a psicomotricidade (orientação espacial; jogo simbólico; organização perceptiva).
- Na entrada para o 1º ciclo é necessária uma leitura individual e flexibilidade por parte do professor de forma a perceber quais as representações sobre leitura e escrita dos seus alunos. É importante aferir os diferentes background para conseguir identificar e antecipar possíveis dificuldades de modo a planear um trabalho com sentido. O ênfase deverá ser formar bons leitores e escritores sendo esta a principal meta de aprendizagem.
- A escola tem um papel primordial de promover e nivelar as representações das crianças e de sinalizar, junto dos pais e intervenientes educativos, quais as dificuldades sentidas com o aluno de forma a encontrar a intervenção mais adequada a cada caso. Em complementaridade os pais podem, em casa, realizar atividades que promovam estas competências, nomeadamente: Ler com o seu filho todos os dias numa leitura partilhada; escrever as palavras novas que aprendeu; escrever juntamente textos criativos; fazer diferentes velocidades e tons de leitura; promover a memória fotográfica bem como promover diferentes vivências culturais (outras formas de linguagem).