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Os nossos velhos.

por Maria Joana Almeida, em 11.01.17

 

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Recentemente uma terna e comovente reportagem fotográfica mostrou "Com o que sonham os nossos velhos". Um belíssimo trabalho que mostra o que vai na alma de quem tem muitas recordações de uma vida que já foi inteiramente sua e onde ainda restam muitos sonhos. Alguns simples e ao mesmo tempo tão complexos, como o estar mais próximo da família..

(http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2016-09-28-Com-que-sonham-os-nossos-velhos)

 

Escrevi há pouco tempo sobre a alfabetização de adultos. Adultos que também sonham com saber ler e escrever e pensei imediatamente no: E depois? Quando chegamos a uma certa idade, o que queremos e precisamos?

 

O envelhecer não é fácil. As limitações que insistem em aparecer, mesmo quando a mente é livre. O medo de ser esquecido, o medo de estar só..

 

Falei com a Joana Ribeiro, a atual Coordenadora do CLDS (Contrato Local de Desenvolvimento Social) do Entroncamento, para conhecer melhor esta realidade. A Joana trabalhou como Assistente Social num lar de idosos e por isso pedi que partilhasse o seu testemunho para perceber os desafios, as limitações, os preconceitos e o que pode ser ainda feito neste momento da nossa vida.

 

Obrigada Joana.

 

1- Dizer que trabalhar com idosos é um desafio é um cliché igual a dizer o mesmo sobre trabalhar com crianças. É sempre um desafio. No trabalho desenvolvido no lar de idosos quais as primeiras barreiras que sentiste que tiveste de quebrar?

 

R: Trabalhar para e com as pessoas, seja de que faixa etária ou problemática for, é sempre um desafio…um desafio extraordinário para quem gosta realmente de trabalhar com as mesmas. Na minha experiencia de trabalho desenvolvido com os idosos (em duas instituições) identifico igualmente duas grandes barreiras, que me vi “obrigada” a quebrar de forma a garantir o sucesso nas estratégias que construi para aplicar na intervenção/reabilitação social dos idosos. A primeira tem a ver com a própria metodologia institucional, isto é, a forma de como a missão da instituição está definida…o conceito de qualidade de vida e de prioridades de bem-estar é vista institucionalmente. Cabe aqui aos profissionais adaptar os novos conceitos de qualidade de vida dentro da instituição e procurar junto do idoso qual ou quais são as suas principais motivações e necessidades.

A outra barreira prende-se com a dificuldade em desenhar estratégias que se adaptem a idosos que não procuram em si mesmos motivações e/ou projetos para o futuro dentro da instituição. Existe muito aquele sentimento “já não vale a pena…; o meu corpo já não me permite sair daqui…”. Tudo isto tem de ser quebrado, leva tempo, mas é possível!

 

 

2- Quais as principais limitações com que vivem estes idosos?

 

R:.De uma forma genérica, desmotivação; cansaço emocional; limitações físicas; doenças do foro mental.

 

3- Recordo-me de um trabalho muito terno e comovente registado há muito pouco tempo intitulado “Com o que sonham os nossos velhos?” Que sonhos registaste nesta convivência?

 

R: Comovente… dizes bem! Os nossos velhos, nem todos como é obvio uma vez que muitos que infelizmente já não têm essa capacidade, mas ainda assim temos muitos sonhadores…sonham com a felicidade dos seus familiares, nomeadamente dos netos (quando existem), com a questão da saúde, conseguirem viver “os poucos anos que restam” com a máxima saúde possível. Depois temos outros sonhos, os “sonhos aventureiros” que são verbalizados por eles como coisas já impossíveis pela falta de mobilidade, dinheiro, companhia, etc. Estes funcionam para nós profissionais como ideias/missões a cumprir para com eles…e temos sido capazes!

 

4- Quais as principais carências que sentes existirem nos lares e de que forma poderiam ser contornadas?

 

R: Cuidado mais próximo e personalizado com os utentes e familiares; equipamentos mais ajustados à questão da saúde (por exemplo: parques geriátricos ao ar livre) e a tendência (ainda que já esteja a melhorar) que existe na infantilização com que alguns técnicos de animação aplicam nas atividades diárias.

 

5- Envelhecer é algo ainda pouco “arrumado” dentro de nós. Assusta e cria muitas ansiedades por todos os motivos. Neste trabalho quais as maiores aprendizagens que retiraste?

 

R: Tirei muitas e continuo a tirar…porque apesar de não estar agora a 100% dentro de um lar, todos os dias entro dentro de um e inevitavelmente aprendo. O facto de ser “velho” em nada deve condicionar o que eu posso ou não fazer, o que eu posso ou não vestir e até o que eu posso ou não dizer/ conversas com quem quer que seja…eles são das pessoas mais livres e desimpedidas que há e por isso devem aproveitar ao máximo e ser ouvidos atentamente por quem já os ouviu quando tinham mais/outro poder.

Os idosos são pessoas muito sábias, têm uma grande bagagem de experiencias e memórias, ensinam-nos a não ter medos, já fizeram quase o caminho completo da vida e dão muitas luzes!!! Confesso que me sinto mais empoderada com falo com alguns deles. Eu vou para o meu trabalho no lar para dar de mim ao outro e à instituição, potenciar e proporcionar-lhes qualidade de vida e ao fim do dia sinto que me deram mais a mim do que eu a eles…e isto de certa forma faz me não ter tanto

medo de um dia ser “velha”. O envelhecer está mesmo na cabeça das pessoas!

Muitos falam da relação com os filhos e alguns até sentem um certo abandono, porque dedicaram tanto tempo, tanto amor e hoje não são compensados…isto é uma realidade que nós entendemos bem mas não lhes conseguimos explicar tão bem ao ponto de eles se convencerem que não há mesmo tempo sempre que sonham em tê-los por perto.

Os filhos destes “nossos velhos” hoje tem uma vida social e profissional agitada como eles nunca tiveram e isso nem sempre é visto com “bons olhos”, pensam que é mesmo abandono, desleixo, desinteresse...esta questão é trabalhada nos lares, tentamos sempre que esta ligação não se gaste. Quando não há contacto físico, há sempre um telefone, uma carta e ultimamente até o Skype.

Isto é para mim uma também grande aprendizagem, sou filha, tenho pais e tios que para velhos caminham e já estou sensibilizada para que isto um dia vá acontecer…ou não! É tudo uma questão de gestão de tempo e amor para com os nossos velhos!!

 

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publicado às 12:32

Por que vou a um Congresso?

por Maria Joana Almeida, em 08.01.17

 

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Entre festejos de natal e passagem para um novo ano, o blog esteve também de férias retomando hoje para relembrar um evento realizado no final de 2016.

 

Em dezembro realizou-se o Congresso Internacional – Escola Inclusiva, Educar e Formar para a vida independente na Casa das Histórias Paula Rego em Cascais. Vários rostos da Escola Inclusiva estiveram presentes; David Rodrigues, Gordon Porter; Teresa Leite bem como representantes do grupo de trabalho para a Escola Inclusiva: Luísa Ucha e Jerónimo Sousa, assim como o Secretário de Estado da Educação João Costa.

 

Não é meu intuito fazer um levantamento exaustivo sobre as diferentes reflexões feitas, mas quero deixar imagens importantes que foram transmitidas pelos diferentes convidados deste Congresso.

 

Gordon Porter, Diretor da Inclusive Education Canada, abordou este tema relembrando que o desafio da Escola é hoje maior devido à diversidade e que um dos obstáculos à Inclusão é a falta de uma liderança competente (pais, professores, diretores, lideres políticos). Relembrou também que a Escola não se tem comprometido com todos, mas sim só com alguns. Neste paradigma David Rodrigues acrescentou que a Escola regular é aquela que ensina a todos. Teresa Leite veio chamar a atenção para a necessidade de formar professores para todos ao invés de ter apenas uma cadeira na faculdade que aborda como uma categoria as Necessidades Educativas Especiais. Este é um aspeto fundamental que reflete princípios subjacentes a uma política e modelo educativo que defende uma maior individualidade de cada aluno apresentado por Luisa Ucha.

 

João Costa encerrou o Congresso e é sobre a sua intervenção e sobre o papel que desempenha atualmente que quero centrar este texto. Não só porque como Secretário de Estado da Educação tem um lugar de destaque nas políticas educativas, mas também por me identificar com as suas ideias e princípios pelos quais rege o seu pensamento em relação à Educação. Começo com duas imagens mencionadas no seu discurso que refletem, no meu entender, a base fundamental de uma Escola para todos, como só assim deverá ser. Em muitos momentos a escola tem verbalizado não estar preparada para receber determinados alunos tendo em conta o seu perfil de funcionalidade. O que pergunto é: os pais estiveram preparados para ter um filho com deficiência? Não, mas tiveram de se adaptar. Um pai não pode dizer: Agora não, agora espere que ainda não estou preparado. A escola não se pode prestar a este papel. Não podemos, sistematicamente, dizer que só estamos preparados para receber os que não precisam de nós e que aqueles que mais precisam do sistema educativo ficam fora até termos todas as condições. Não é justo” e “A inclusão é um processo evolutivo. Há muitos anos atrás ninguém diria que os negros seriam livres, que as mulheres poderiam votar e que pessoas do mesmo sexo poderiam casar. O processo evolutivo leva-nos a crer que todos têm um lugar.”

 

As fortes afirmações de João Costa não deixam lugar para dúvidas de que o processo educativo não pode ser escravo de um currículo, nem a Escola um lugar que mede apenas quantitativamente os seus alunos, abraçando uns e renegando outros. As suas intervenções têm demonstrado uma sábia capacidade de análise sobre os verdadeiros problemas da escola conferindo uma lufada de ar fresco ao mundo da Educação.    

 

Tem reforçado a visão que assume a Escola não como um espaço só para alguns onde o verdadeiro desafio, não são os bons alunos, mas a forma como a Escola responde aos alunos com dificuldades.”O que é verdadeiramente exigente e difícil é conseguir levar a aprendizagem àqueles que não têm condições para aprender e aos que não querem aprender.” Os professores que trabalham em contextos socioeconomicamente desfavorecidos, em alguns casos excelentes professores, sabem a exigência que está associada a essa tarefa. E isto não pode ser encarado como facilitismo.” Em relação aos rankings (novamente conhecidos há pouco tempo) a sua posição tem sido clara quando diz: “Conhecer a qualidade de uma escola implica um olhar muito mais abrangente, pelo que são precisos mais indicadores e é necessário um olhar sistémico. Mas há muito mais no trabalho das escolas que não tem sido valorizado e que os rankings não mostram. Trabalho que é essencial para o cumprimento da missão da educação.”

 

Podemos, muito facilmente, acenar afirmativamente a todas estas imagens porque são invariavelmente verdadeiras. Podemos, por outro lado, criticar muitas delas por considerar que a prática está muitas vezes a anos de luz do que escrevemos e verbalizamos. Na verdade estamos ainda refém de ideias e modus operandi cristalizados. Não basta ouvir coisas bonitas e moralmente corretas e por isso há Congressos que, pela qualidade não só técnica dos oradores, mas pela postura mais humanista nos ajudam a criar o mindset que nos permitirá num futuro, que desejo próximo, desenvolver uma memória muscular mais livre de preconceitos e mais comprometida com o seu trabalho.  

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publicado às 22:36


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