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PEA. 5 perguntas e 5 respostas com Alexandra Barrosa

por Maria Joana Almeida, em 30.01.16

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Conheci a Alexandra na minha passagem por uma unidade de ensino estruturado para autismo. Já havia trabalhado com as perturbações do espectro do autismo, mas ainda sem a experiência de uma metodologia organizada e uma filosofia própria. A Alexandra foi um espelho para ajudar a guiar a minha intervenção, juntamente com a Fátima, uma extraordinária Assistente de ação educativa que funcionava com um porto seguro, um braço direito.

 

A Alexandra, juntamente com outra referência para mim nas PEA, a Isabel Moreira, iniciou a abertura deste projeto estreando as primeiras salas Teacch.

Ficou a aprendizagem e uma amizade que se prolonga. Por isso, como forma de complementar o texto que escrevi, trago hoje 5 perguntas e 5 respostas que nos permitem olhar as PEA através de quem diariamente trabalha e trilha, com uma grande paixão, este caminho.

 

 

 

“Quando e como se cruzou o teu percurso com as perturbações do espetro do autismo

 

O meu percurso com o autismo começou a tomar forma muito cedo. Tinha acabado de terminar o meu curso de educadora de infância quando vi “Rain Man”  Desde essa data estabeleci como um dos meus objetivos profissionais cruzar-me com o autismo, pois fiquei fascinada com a complexidade e desafio que é “entrar” neste mundo.

Na altura não se falava ainda muito de autismo e pensei que para lidar com estas crianças deveria ter alguma experiência com crianças ditas “normais”, compreender e trabalhar como educadora, para desta forma saber sobre desenvolvimento infantil, as suas reações, os seus comportamentos, sem ser só o que se aprendia e lia nos livros de psicologia e pedagogia.

Trabalhei numa escola particular, vinculei ao Estado e decidi que estava na hora de ir para a educação especial. Para se tirar a especialização em educação especial era necessário trabalhar efetivamente nesta área no mínimo 5 anos e como não tinha esse tempo, comecei a “fazê-lo”

Neste meu percurso, cruzei-me num colégio particular, com um menino com autismo com 3 anos, que veio permitir que ao fim de muitos anos conseguisse atingir o meu objetivo.

Como pouco sabia de autismo, comecei a procurar em Lisboa pessoas com quem falar, que me ajudassem e onde pudesse fazer formação e procurar as melhores respostas para esta criança, família e educadora. Passados 3 anos este menino precisava de entrar na escolaridade obrigatória e não havia em Lisboa nenhuma estrutura de apoio, nem muitos alunos com autismo nas escolas públicas e no colégio nem pensar em ficar (3 anos já foram difíceis).

A DREL estava interessada em iniciar salas Teacch em Lisboa. Fui contatada e convidada para começar este projeto, desafio que aceitei logo.

 

 

Quais os principais desafios sentidos neste início de percurso?

 

Quando iniciei a minha intervenção com crianças autistas, o meu grande e maior desafio foi primeiro aprender como PERCEBER cada criança com autismo. Pouco sabia sobre o autismo e não havia muitas pessoas e locais onde recolher informações e aprender.

Antes de abrir a Sala Teachh fiz formação em Coimbra, pioneira na implementação deste modelo de intervenção e já com alguns anos de experiência. Fiz muita formação, muitos cursos, bebi todas as palavras que ouvia e ia “partindo pedra”.

Depois foi aprender a potencializar e a desenvolver todas as capacidades de cada aluno com PEA (de acordo com as suas necessidades e da família), trabalhar comportamentos, construir materiais e currículos. Aprender a trabalhar com as famílias, com a escola, com a comunidade.

Continuo a considerar que ler livros e artigos, fazer formação, ir a conferências e encontros é importante, e que nos fornecem a teoria e a sustentabilidade para alguma prática, mas que efetivamente aprendemos “a fazer” e com quem “sabe fazer”. Consegui na altura encontrar os contatos certos, que me ensinaram, apoiaram, questionaram, fizeram refletir e supervisionaram durante 5 anos o início da minha prática numa Sala Techh.

 

Reconhece-se, na generalidade, que existe um perfil para se trabalhar com crianças/jovens com perturbações do espetro do autismo. Concordas? Descreve esse perfil.

 

Não poderia estar mais de acordo. Trabalhar com crianças /jovens com PEA diria que é um desafio constante, um levantar de véu a cada momento, fazer leituras de atitudes, posturas, gestos, “birras” ,,,diário. Para mim, temos de Gostar, Ter Bom Senso, Ser Assertivas, Ser Tolerantes, Ser Organizadas, Ser Estruturadas, Ser o Porto de Abrigo, Ser Insistentes, Ser Alegres, Ser Positivas. Conseguir em simultâneo ser afetiva e diretiva e como me diziam “pedir a mandar”.

As pessoas que trabalham com PEA têm de ter flexibilidade para trabalhar em equipa, para partilhar e não ter qualquer “problema” em ouvir os outros e reconhecer que afinal o que estava a fazer não era o mais indicado, ou que até não iria servir para nada.

 

De entre as várias metodologias para se trabalhar nesta área (sei que trabalhas com a metodologia TEACHH) consideras que existe um modelo mais capaz do que outro? Ou que poderemos falar em bons modelos e maus modelos?

 

Não acho que haja bons e maus modelos. Existem intervenções diferentes que devemos utilizar de acordo com o perfil, a individualidade e necessidades de cada pessoa com PEA, com cada situação e cada contexto.

Da minha experiência, a estrutura física, a organização e previsibilidade que podemos proporcionar a uma criança com PEA com o modelo Teachh será sempre positiva, desde que claro, esta também se adapte ao perfil daquele aluno. Também esta estrutura deve ser flexível e ser passível de alterações físicas e contemplar a introdução de fatores distratores. Por outro lado, temos crianças/jovens que precisam de mais ou menos estrutura, que esta estrutura esteja em diversos contextos (sala de aula, casa…).

Quanto à intervenção vale tudo. Todos os métodos podem e devem ser utilizados, desde que seja adequado ao momento e à pessoa. Por outro lado, também a nossa personalidade, experiência e forma de trabalhar nos levam a que nos identifiquemos mais com uma determinada forma/modelo de intervenção.

 

Trabalhas nesta área há muitos anos e tiveste a oportunidade de viver várias experiências. Quais foram as maiores aprendizagens ao longo deste caminho?

 

De facto já tenho um longo caminho nas UEEA e a minha grande aprendizagem é sentir por vezes que nada sei. Aprendi que devemos refletir e questionarmo-nos sobre a nossa prática, que devemos partilhar com os outros todas as situações que nos parecem ser importantes e que observámos numa criança com PEA, aprendi que devemos ouvir os outros e que só assim se consegue trabalhar em equipa. Aprendi que temos de primeiro “tentar” conhecer cada criança/jovem com PEA e que este conhecimento demora, que temos de ser pacientes e de nunca achar que não vamos conseguir. Aprendi que tal como não existe um pessoa igual a outra, cada pessoa com PEA é diferente. Aprendi que pensamentos e atitudes positivas geram resultados positivos.

Aprendi que aprendo todos os dias e que nunca sabemos tudo…vamos sabendo”

 

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publicado às 16:39

Perturbação do Espetro do Autismo (PEA)

por Maria Joana Almeida, em 11.01.16

 

 

talk_about_autism.jpg

 

Já há algum tempo que quero escrever sobre este tema pelas experiências gratificantes que tive ao trabalhar nesta área. Não é minha pretensão fazer um levantamento exaustivo sobre a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) uma vez que atualmente o acesso à informação é fácil e rapidamente podemos encontrar definições, causas e formas de lidar. Difícil é fazer uma triagem adequada.

 

O autismo não é um diagnóstico fechado. Uma condição sem reversão onde nada há fazer. Não. Há evoluções muito importantes e significativas. Dentro do perfil de funcionalidade da criança é possível criar um futuro. Mas é muito importante também honestidade. Honestidade para equilibrar expectativas e ter a consciência do que pode ser feito e como deve ser feito.

 

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, as Perturbações do Autismo (PEA) “são um sindroma neuro-comportamental com origem em perturbações do sistema nervoso central que afeta o normal desenvolvimento da criança. Os sintomas ocorrem nos primeiros três anos de vida e incluem três grandes domínios de perturbação, social, comportamental e comunicacional.”

 

Pensa-se haver uma causa genética. O que causa realmente autismo ainda permanece uma incógnita. Como não existe um marcador biológico, é possível traçar um diagnóstico através de comportamentos observáveis. A DSM 5 - O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, usado para enquadrar manifestação de comportamentos por profissionais da saúde mental, aponta, atualmente, na mais recente versão, dois grupos de critérios:

  1. “Déficites persistentes na comunicação e interação social, em contexto múltiplos. Estão incluídos nestes critérios: a comunicação verbal e não verbal, a partilha de emoções. Este deficits podem manifestar-se com maior ou menor intensidade.
  2. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.”


Considera-se um espetro porque depende do perfil de funcionalidade da criança/jovem que vai desde um perfil fortemente comprometido até à síndrome de Asperger que atualmente (2015) é denominado, também de PEA.

 

O trabalho desenvolvido com crianças com PEA pode ser feito através de diferentes abordagens. Algumas privadas outras financiadas pelo Estado existindo escolas de referência para tal.

 

ABA - Applied behavior analysis baseia-se numa abordagem comportamental que privilegia a recompensa de comportamentos positivos em deferimento de comportamentos negativos. É uma intervenção precoce e intensiva com o intuitivo de moldar os comportamentos estereotipados nas crianças em comportamentos mais adequados.

 

TEACHH – Recorre à utilização de uma sala estruturada, com espaços delimitados para cada aluno e da utilização de um sistema pictográfico que lhes permite facilitar a comunicação e autonomia. A organização é a palavra-chave privilegiando a antecipação de acontecimentos.

 

Son-Rise – Esta abordagem privilegia a relação, a brincadeira e foca intensamente a socialização num processo dinâmico em detrimento da excessiva repetição de tarefas por via a não formatar atividades e comportamentos.

 

DIR – Floortime – Este modelo tem como objectivo a formação dos alicerces para as competências sociais, emocionais e intelectuais das crianças, em vez de se focar nas competências e nos comportamentos isolados. Utiliza o “trabalho de chão” que permite ao terapeuta guiar a criança para comportamentos adequados e significativos através dos interesses emocionais da criança.

 

Quando questionada sobre qual a melhor abordagem digo que não existe. Existem modelos com os quais à partida concordo mais e outros com os quais concordo menos. A verdade é que gosto de encarar estas abordagens como possibilidades e ferramentas de trabalho disponíveis para serem usadas. Cada abordagem depende da criança e das suas dinâmicas.

 

À parte de definições, causas, rótulos e denominadores comuns, crianças e jovens com PEA não são todos iguais. Têm a sua personalidade e os seus interesses pessoais independentemente das suas limitações. Encontrar o canal para a interacção, para a relação e comunicação é o desafio.

 

Uma das minhas experiências foi através da abordagem com o modelo TEACHH - sala de ensino estruturado para 2ºciclo numa escola de referência para as PEA. O facto de existirem espaços individuais e uma estrutura que potencia a organização e antecipação de acontecimentos (que na maior parte dos casos são desencadeantes de situações de ansiedade por parte das crianças com PEA) são aspetos que considero muito positivos. Em muitas destas crianças é preciso um ambiente organizado e contentor para poder estabilizar e ajudar no seu processo de auto-regulação. Saber como se vai processar o seu dia e potenciar a comunicação criando momentos em que a criança obrigatoriamente necessite de comunicar e guiá-la nesse processo. É importante que as suas atividades sejam pertinentes, curtas e com suportes visuais através de temas e objetos do seu interesse de modo a manter o seu nível de empenho e motivação. Recordo-me de uma aluna que adorava os bonecos da Disney e mexer no computador. Uma das formas de potenciar a sua comunicação e aumentar o seu vocabulário era através da visualização de filmes no computador. Através do seu sistema de comunicação integrado no IPAD a aluna ia respondendo a perguntas sobre o que via.

 

A comunicação é um dos aspetos fundamentais a trabalhar. Não facilitar a “comunicação imediata” é também fundamental. Mesmo que o professor/terapeuta que trabalha com a criança com PEA perceba o que a criança quer (pelo movimento da cabeça, por ter apontado) deve tentar que comunique através do seu sistema de comunicação, quer seja pelo IPAD/PC (com palavras ou sistema pictográfico) quer seja por um caderno de comunicação organizando e adequando assim a linguagem oral. Desta forma estamos a potenciar o seu uso podendo assim expandir o seu vocabulário e autonomia.

 

Um dos aspetos menos positivos apontado a este modelo prende-se com o facto de ser muito “standartizado” deixando pouco espaço para a surpresa, para o inesperado. No meu ponto de vista, os modelos não têm de ser herméticos. Existe sempre a possibilidade de adaptar. O enfoque não é o modelo, mas sim a criança

 

É importante também ter a consciência que os sucessos demoram e por vezes não são os que esperamos. Existem professores formatados para o currículo e resultados rápidos que manifestam dificuldade em esperar exigindo tarefas mais complexas com o argumento de “avançar”. O currículo deve ser uma base de trabalho, mas não um ultimato.

 

 

As estratégias aqui apontadas estão escritas em vários livros sobre o tema. Podemos lê-las e tentar desenvolve-las em contexto de sala, mas é preciso que percebamos que é a atitude e relação estabelecida que pode fazer a diferença. Este “pensamento terapêutico” não vem em livros técnicos e por isso este é um trabalho para quem está disposto a deitar alguma teoria para trás das costas. Consciente da necessidade de por vezes improvisar, refundar paradigmas instituídos e entregar-se.

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publicado às 16:37


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