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A minha visão sobre Educação. As várias visões sobre Educação e todas as suas (e nossas) variáveis.
A avó vinha à varanda todas as noites de Agosto chamar os netos para se recolherem quando a hora já ia longa.
Ainda em Lisboa pedia à mãe para ligar aos tios para que os primos pudessem ficar as férias todas. Era a casa coração da família, o ponto de encontro dos primos e o ponto de encontro dos tios também.
A avó desdobrava-se a fazer ovos estrelados, batata frita e bolos. Tudo o que era proibido mas que pela mão da avó era permitido.
O avô levava-nos na carroça pela aldeia. Todo um clã de primos descia a rua como se naquele momento, nenhum lugar fosse mais apetecível do que aquele. As gargalhadas eram abraços de segurança e auto estima.
A avó dormia connosco se tivéssemos medo e os seus abraços eram a representação de paz e serenidade. Adormecia leve e rapidamente nos braços da minha avó.
Durante as férias passávamos pelas mãos dos vizinhos, comíamos e brincávamos nas casas próximas e não próximas, seguíamos de bicicleta e dávamos mergulhos no rio. Aos domingos só ouvíamos os primeiros minutos da missa e, um a um, escapávamos para o sofá que dava para quantos primos houvesse.
Hoje, depois de intensas horas a arrumar as caixas de "herança e sucessão", passei pelo quartos dos meus pais, desejei boa noite e sentei-me lá fora a ouvir a noite na aldeia. E naquele silêncio vi as caixas com que as minhas filhas brincaram a tarde toda. Ora como esconderijo ora como foguetão. Passaram a manhã pelas mãos dos vizinhos que as acolhem como sendo um pouco da sua história também.
E nesta quarta geração, ainda não é domingo, mas já se escapam de mim com os primos para entrarem na tenda do jardim, onde cabe só um, enquanto roubam biscoitos da cozinha.
"O Mitsuhirato é um agente secreto do Porto, infiltrado em Lisboa há muitos anos." E Mr.Mitsuhirato, como se apresenta desde 2006, é um nome incontornável na noite Lisboeta e não só. Entre Incógnito, Lux, Musicbox, Lounge, Plano B, entre outros, são 17 anos de alinhamentos certeiros, momentos catárticos e uma presença consensual e marcante.
Hugo Moutinho é o nome da persona Mr.Mitsuhirato e despede-se, no próximo mês de maio, como DJ. Ao longo do seu caminho foi manager, agente de bandas, jornalista e editor. A música é a matéria prima da sua atividade mantendo-se atualmente na Rádio Futura e na loja de Discos Louie Louie.
As noites de 5 e 6 de maio serão certamente inesquecíveis e farão parte de uma memória coletiva, será a última atuação como DJ de Mr.Mitsuhirato no icónico Incógnito em Lisboa. Dizemos, conjuntamente, adeus à personficiação de histórias e memórias e agradecemos por 17 anos de uma parte significativa do que somos musicalmente.
Obrigada Hugo (Mr.Mitsuhirato)
1 - Olá, Hugo. Numa breve pesquisa sobre ti, o teu nome, a persona Mr.Mitsuhirato, aparece como uma referência incontornável do clubbing alfacinha e ligado à rádio Futura. O Mr. Mitsuhirato esconde que Hugo?
O Mitsuhirato é um agente secreto do Porto, infiltrado em Lisboa há muitos anos. Antes de me dedicar a sério ao DJing e fazer parte da Rádio Futura, que são duas actividades que distam entre si quase 20 anos, fui manager e agente de bandas, trabalhei com editoras, fui jornalista, trabalhei em rádios, editei fanzines e outras actividades ligadas à música. Neste momento, a minha principal ocupação é a loja de discos Louie Louie.
2 - A tua ligação a esta área, quer como DJ, quer como parte integrante da Rádio Futura, surge como? Qual o trigger que despoletou este caminho e como se foi desenvolvendo?
Desde que me lembro, sempre estive ligado à música. Tinha uma curiosidade imensa em descobrir e absorver tudo o que pudesse e isso fez com que, ainda adolescente, já fosse agente de bandas e tivesse editoras. O DJing sempre foi uma actividade irregular na minha vida até que em 2006 nasce o Mr Mitsuhirato, e levo essa actividade mais a sério. A rádio acontece cedo na minha vida ainda no Porto, logo aos 20 e poucos anos, mas por estar concentrado noutros projectos, acabei por não dar continuidade. Só volto a fazer rádio na Vodafone FM, onde apresentava o programa semanal da Discotexas: Forbidden Cuts, que acaba imediatamente antes da pandemia. Quando o Pedro Ramos da Rádio Futura me convidou para este novo projecto não hesitei em aceitar.
3 - A música enquanto linguagem universal tem diferentes impactos tocando-nos em espaços muito íntimos. É uma viagem muito pessoal onde ressoam vários ecos. O que te atrai neste mundo? O que esperas e como ressoam em ti os momentos em que passas música?
Ao contrário de outras formas de arte, a música tem um efeito mais imediato nas pessoas. Tem a capacidade de nos elevar ou de nos abalroar. É costume dizer-se que a música salva e quando estou a passar música tento construir uma narrativa que faça sentido na minha cabeça e que ressoe nas pessoas. Nem sempre resulta, mas quando acontece em pleno fico muito feliz.
4 - Ao longo destes anos nesta área (não sei precisar quantos? – 17 anos) há naturalmente histórias, momentos que te marcaram. Gostava que partilhasses alguns.
Em 2006, estava a passar música em Leiria, depois de um concerto dos Art Brut e quando passei um tema dos Vicious Five, remisturado pelo Moullinex (provavelmente a sua primeira remistura), liguei ao Xinobi (que fez parte da banda) para ele ouvir. Já eram duas da manhã e tinha o telemóvel desligado. Na altura não podia imaginar que, anos mais tarde, estaríamos a trabalhar os três juntos na Discotexas.
A 17 de Janeiro de 2016, o Lux organizou uma matinée chamada Loving the Alien, em homenagem a David Bowie que tinha falecido uma semana antes. Éramos imenso DJs e coube-me fechar a noite no Bar. Durante o “All My Friends” dos LCD Soundsystem, que devia ser a última música da noite, subi para cima da mesa e comecei a dançar, a cantar e a incitar ainda mais o público. A meio da música vejo que o Manuel Reis, o dono do Lux, está a assistir a tudo. No final da música veio ter comigo à cabine, e quando eu estava à espera de um raspanete por ter estado em cima da mesa, deu-me um abraço e pediu-me para passar mais uma música.
Certo dia recebi uma mensagem que me deixou muito feliz. Duas mulheres, que se tinham apaixonado durante um dos meus sets no Musicbox, iam casar-se nessa semana.
A noite de 7 de Março de 2020 ficará para sempre na minha memória, porque foi o último DJ set que fiz antes do primeiro confinamento. Já se falava da Covid 19, já havia infecções, mas ninguém sabia como estar no meio de tanta gente. Não sei se quem encheu o Incógnito nessa noite, consciente ou inconscientemente, sentia que não iria ser possível dançar num clube durante muito tempo, mas o certo é que foi uma daquelas noites em que a entrega dos dois lados foi enorme. Por ter sido uma noite tão especial, acabei por elaborar uma playlist no Spotify com os temas que passei. Partilhei nas redes sociais durante o primeiro confinamento e as reacções deixaram-me muito emocionado. Ainda agora me falam dessa noite e de como a playlist ajudou a superar as saudades de estar com quem mais gostavam e dançar.
5 - Esta última questão tem sempre uma componente educação vs cultura. Enquanto espaço criativo e reflexivo, de que forma é que a música tem uma componente educativa? Ou melhor, de que forma é que a música pode ter um impacto naquilo que deve ser a Escola?
Para mim a escola, se complementar o ensino de um instrumento com formação musical, nos seus vários domínios, contribuirá para a agregação dos alunos, respeito pela diversidade, enriquecimento intelectual e cultural.
"Nas ementas preparadas para a semana, cada dia traz estipulado o feito gastronómico que será consumido em cada dia específico. Uma questão de organização.
As escolas fazem parte desta organização. Cada aluno saberá qual a ementa semanal numa rápida pesquisa. Mas, contrariamente ao desejado, a escola traz mais cardápios que saem do âmbito do refeitório. Às segundas têm Cidadania, às terças “Inclusão”, às quartas Educação Física, às quintas Matemática, às sextas reuniões e tabelas excel e no final da semana acabamos em modo exclusão. Num exclusivo onde desejaríamos menos precedentes.
Vejamos, a inclusão, ou respeito pela diversidade (expressão que prefiro), não carece de decreto. Quando decretado ou formalizado, toda a sua dimensão e objetivo perece antes de florescer. Situações como olhar para os alunos com mais limitações como colegas de turma; auxiliar nas necessidades possíveis; acompanhar o colega à sala fazem parte de uma consciência cívica, fazem parte de uma sociedade mais empática e tolerante. E por muitas evidências ou ações necessárias para ilustrar um Projeto Educativo e um Plano Anual de Atividades, são precisamente aquelas que não estão sob a luz de holofotes ou fotografias que desempenham exatamente a função.
Parece existir uma espécie de memória muscular onde alunos, embora com limitações, mas perfeitamente capazes de estar num contexto educativo, são delegados apenas para professores coadjuvantes e assistentes operacionais. São as ilhas da escola. Onde a assunção de pertencerem à turma é deturpada por esta dimensão paralela. Alguém se encarrega, eu não. Sem evidências científicas que me sustentem, arrisco afirmar que este distanciamento é mais flagrante no Ensino Secundário.
Vamos a factos registados: Há professores que “fogem” na hora de dar aula aos “especiais (como são chamados) para voltar logo a seguir. Há projetos de inclusão que são tratados e celebrados em Word. Com muitas fotografias e notícias no final. Com muitas visitas exteriores numa Maratona, que poderia facilmente ser intitulada: “A nossa escola é melhor do que a vossa”. Há pedidos a pais para que os colegas possam fazer uma escala para ajudar os (aqui vamos mais uma vez)” especiais” dentro e fora da sala de aula. Há pais que não concordam e outros que apoiam, mas apenas à terça-feira.
As cadeias comportamentais não se quebram por ações pontuais ou por enumerar os pontos legislativos que obriguem A ou B a aceitar X ou Y. Não há nenhuma tabela de Excel que contabilize em percentagem o bom senso ou consciência cívica.
Num universo paralelo, sem qualquer tipo de autoanálise, é neste ridículo que tropeçamos e aceitamos. Horas marcadas para a empatia. Dias para ser um bom samaritano. Um check no fim da tarefa diário. E de olhos vendados seguimos, de legislação em riste porque, estando escrito e tabelado, torna-se evidente.
Não tenho, também, fórmulas ou receitas. Corroboro Coimbra de Matos e os que o perpetuam: É pela relação que nos damos um ao outro e nos transformamos. Nisto eu acredito."
in Jornal Público 17-11-2022
O despertador toca às 06h50. O alarme soa de imediato a pré-aviso para mais um provável dia de “despacha-te que vou chegar atrasada”. Acordar filhas, vestir, pequenos almoços e medir militarmente o tempo para largar uma filha às 08h e outra às 08h15. Pelas 07h50 lembro-me do artigo do Expresso sobre as palavras que não devemos dizer aos nossos filhos. Percebo que é tarde demais. Segundo o artigo estou a traumatiza-las desde as 07h45. Primeira teoria falhada.
Falho a hora da segunda filha fintada pelos semáforos. Ela pede-me a música da Bluey mas, ao invés, aumento o volume da rádio que passa Rage Against the Machine para condizer com a minha alma. Dou um beijo a correr e respondo que a mãe não tem tempo para ouvir a história correndo de novo para o carro. Segunda teoria falhada.
No carro a ansiedade de estar já manifestamente atrasada para o trabalho mistura-se com a culpabilização de não ter esperado um minuto para ouvir uma breve história. Rezo para que as Montessori e High Scope desta vida possam valer-me para amenizar um possível trauma descrito pelos senhores do jornal.
Num intervalo para café passeio brevemente pelas redes sociais para lograr pesos laborais. Sou apanhada na rede do algoritmo que, por coincidência digital, invade o meu mural com dicas de boa parentalidade; de escolas alternativas; Mindfulness e nomes que enriquecem o meu léxico. Todos prontos a mostraram-me como consigo falhar grandemente todos os dias.
Ao voltar à escola cruzo-me com professores que em tom fatalista enumeram as dificuldades que têm em trabalhar com os “meus meninos especiais”. Recordo, primeiro (e novamente), que não são os “meus meninos”, são da escola. Recordo (novamente) todos os pontos positivos e áreas fortes de cada um dos alunos. Chamando-os pelos nomes na esperança que o rótulo faleça ali. A conversa termina. Cada um segue de novo o seu caminho, um meio indignado/vencido e eu francamente frustrada por encontrar tantas barreiras. Pela ironia do quase certo encerramento de escolas, como o Colégio Claparède, que conseguem respeitar mais a diversidade do que aquelas que são impostas por Decreto.
No caminho respiro fundo e tento que as teorias não façam mossa nas minhas convicções. Que continue a acreditar que pais felizes e realizados fazem os filhos felizes. E que isto, está acima de qualquer método. Que paredes de escolas com métodos vaidosos não se devem sobrepor às crianças. Que as teorias são apenas teorias. Que não há maratonas de melhores pais. Que os erros devem ser assumidos e não carpidos. E, acima de tudo, que tenhamos pensamento crítico dentro de avalanches ideológicas, por vezes, absolutamente unilaterais. Há também sabedoria e espírito alternativo quando respeitamos a individualidade.
Passado mais um dia de tanta teoria falhada e nas eternas paragens de regresso a casa quero, francamente, que as mil teorias que li vão para o sítio do Milhazes.
Ouvi hoje uma coisa bastante bonita. A primeira vez que seguramos um bebé é a primeira vez que nos anulamos. É a primeira vez onde o outro é verdadeiramente e visceralmente, mais importante.
Quando alguém nasce e cresce com alguma condição específica, para ele está tudo bem, até estar tudo mal. Quem precisa de apoio e terapia são muitas vezes a família mais próxima. Quem lida, diretamente e diariamente, com o que é estatisticamente diferente.
Somos nós, a percentagem maior de uma espécie de normalidade, que precisamos de uma inclusão do que parece ser minoritário. Precisamos de inclusão de autenticidade, de verdade e dignidade. Na realidade, enquanto falarmos de inclusão dos outros, andamos nós excluídos do paradigma da diversidade.
Precisamos de aprender a falar e a comunicar. A sentir e perceber a linguagem não verbal. A sair da esfera pessoal e do conforto de crenças e morais individuais. Não se perde tempo a ouvir os outros. Ganha-se. Experiência e conhecimento.
Quando nos conseguimos olhar, soltos de amarras, talvez mesmo com armas disponíveiso lugar de amor tivesse mais dimensão que o lugar de ódio e revolta. Talvez o inconcebível se mantivesse no desconhecido.
Precisamos de nos segurar mutuamente. Agir como comunidade colocando de lado caprichos e egos. Permitir que a diversidade seja respeitada. E digna.
"Em Espanha, na região de Navarra, os alunos do Instituto Alaitz de Barañain decidiram assinalar o último dia de aulas de Koldo Ansa, antes de entrar na reforma, com um momento marcante. Estudantes e colegas juntaram-se nos corredores, escadas e recantos do edifício e fizeram-lhe uma ovação que o acompanhou até à saída." Jornal Público, dia 16 de abril.
Tenho desistido de escrever sobre Educação. Não porque não me interesse (enquanto Professora é uma parte muito significativa da minha vida) mas porque os problemas, as atitudes e premissas têm sido inalteráves ao longo do tempo. Esgotam-se nas mesmas soluções, nas mesmas queixas, por vezes na mesma apatia. A burocracia e o "by the book" têm a capacidade de sugar a energia e a motivação. Não desistimos, mas a corrida cansa.
Esta notícia fez-me parar. Impossível ficar indiferente.
Ser professor é um palco tramado. Entre direitos e deveres, exigências pessoais e coletivas, por vezes tudo se mistura e todos se misturam num clássico disparar de opiniões. A entidade ou instituição fica refém de opiniões baseadas em sites duvidosos, experiências que são meramente pessoais e uma falta de cruzar de informação com base em evidências que poluem, constrigem e desacreditam o verdadeiro palco de construção social.
Koldo Ansa foi professor de filosofia. Terá tido as suas desavenças, as suas desmotivações, os seus dias pesados, os seus dias alegres. Uma estrada entre o basta e continua. A corrida cansou mas não desistiu. E a prova são os aplausos no seu palco. Nada é mais inspirador do que um professor que consegue tocar a melodia certa, mesmo em que muitos dias tenha soado errado. É que o caminho tem por vezes desafinações estridentes. Mas quando acerta. Quando toda a orquestra flui, escola, professores e alunos, nada consegue ser mais catártico e inspirador.
Hoje sorri mais perante a educação. E consegui escrever sobre algo que já não escrevia há algum tempo. Foi um dia de notas certas.
Quando a minha mãe morreu, escrevi, que por muitos anos que pudéssemos viver nunca entenderíamos a lógica da vida ou a lógica da morte. Não havia lógica nenhuma na sua partida, a não ser que estamos todos em fila de espera para a morte. Este era o meu único sentimento. E é este o nome deste livro.
Este livro surgiu por causa da minha mãe. Surgiu da saudade e da revolta.
É um diário de, sensivelmente, um ano que retrata o que foi viver sem a minha mãe após a sua morte. É provavelmente um lugar-comum, mas efetivamente a escrita ajudou a apaziguar a raiva, a saudade e a explosão.
Os textos descrevem um processo do que foram os dias após a morte da minha mãe. Que espaço habitava passados dois dias, três, um mês, um ano. O que fica e o que vai e como se transforma. Como me fui apaziguando com a vida. Como foi difícil gerir o peso esmagador da maternidade, das responsabilidades quando estava sempre pronta a explodir. O meu trabalho, a minha relação com as outras pessoas. Descobrir outras casas e olhar para as casas que me reconstruiram.
No fundo sentia a vida a ferir-me e sentia essencialmente que a vida me devia muito.
A origem esteve numa ilustração maravilhosa da ilustradora Marta Nunes que adquiri após a morte da minha mãe. Era uma ilustração sobre a saudade. E não havia outra palavra que me preenchesse melhor do que aquela. Quando a vi e quando a comprei pensei na imagem de “mandar vir a saudade” e de se ter “instalado sozinha sem permissão”. Aquela ilustração era eu.
Depois fui seguindo o trabalho da Marta, cruzando com o que sentia. Com o que a saudade, às vezes esmagadora como uma pedra, outra como um rastilho pronto a explodir, me fazia agir e sentir. Foi claramente um processo catártico para acalmar a dor. E tenho a forte convicção que tudo o que está neste livro já (ou será) foi sentido por todos nós.
Tenho uma amiga que ilustrou, na minha opinião, de uma forma engraçada a minha escrita. Como uma “auto-estrada direta ao coração”. Acrescentaria que de facto há poucas curvas. É crua, mas melódica.
Ao longo do processo de escrita a fila foi-se modificando. Vivi na busca de aprender a viver de novo, outra vida. A fila traz-nos exactamente isso. Mesmo sabendo a senha que foi tirada quando nascemos. Há renascer e morrer até ao fim.
Queria, se me fosse permitido, porque a minha mãe gostaria e é como se a sentisse sentada ao pé de mim, falar um pouco sobre as pessoas que aqui estão comigo.
O meu pai.
Tinha de mudar a minha morada no cartão de cidadão o que implicava levantar-me cedo para tentar não apanhar uma fila considerável. Acordei cedo e pus-me a caminho sabendo que muito provavelmente, como tinha apanhado trânsito, teria de esperar bastante. Quase a chegar o meu pai envia-me uma mensagem a dizer: “Ainda demoras? Já cá estou e tenho uma senha para ti e está quase a chegar a tua vez”
Este é o meu pai.
O meu pai é a rede constante que tenho a amparar-me sempre. Não me deixa cair, não me deixa esquecer, se puder, não me deixa errar ou magoar nunca. Sem exigir, sem impor, sem cobrar. É amor incondicional.
À minha tia e ao meu tio que aqui estão, os irmãos mais novos da minha mãe que a acompanharam sempre nos últimos momentos de vida.
Pelos 40 anos de casamento dos meus pais escrevi que “(…)não me lembro de um fim-de-semana sem família ou amigos em casa. Sem um almoço ou um jantar, sem praia no Verão, sem histórias contadas na cadeira de verga na sala, sem chocolates Jubileu, sem risos. A casa dos meus pais. A de cá e a de Viseu, sempre foram (e são) como um abraço quente, reconfortante. São uma “casa”. Daquelas em que calçamos sempre pantufas mesmo quando entramos de salto alto. E aquela de onde nunca queremos sair e desejamos sempre voltar. Os meus tios são assim. Nada a ninguém faltará enquanto estiverem por perto.
Aos meus primos que aqui estão. A minha mãe também vos soube amar como filhos e como netos. Todos sentiram o afecto na casa dos meus pais. Como se sentiam abraçados e amados, de pantufas pela minha mãe.
Ana, Janjan e Bebé, a minha mãe foi primeiro vossa antes de ser minha. Acompanhou-vos desde pequeninas antes de imaginar ter uma filha. Eu. Depois veio o Mário, o Tó e Gonçalo que a sentiram igualmente cúmplice no amor e os vossos filhos foram os primeiros netos da minha mãe. Cresci com vocês. E a ligação é para toda a vida.
Às minhas amigas que aqui estão. A minha mãe dizia que esta amizade era rara. Não conhecia mais nenhum grupo assim. Vibramos genuinamente com os sucessos de todas e choramos juntas infelicidades. São outra família. Num patamar de amor igual.
O Mário. Aguentou o barco. Não vergou, mesmo quando era quase insuportável. Foi a parede inabalável que segurou as minhas fugas, as minhas explosões, que segurou a Maria Luísa e Madalena, a família quando eu não as conseguia gerir. Quando o peso da maternidade por cima da revolta era quase absolutamente desgastante. Quando eu tentava ser mãe e só queria ser filha.
O Mário é um pai absolutamente extraordinário. Que se moldou com o amor. A pessoa que diz que gostava de escrever como eu mas que fala em público como gostaria de falar.
À Luísa e ao Manuel, obrigada por me acolherem tantas vezes como uma filha também.
A Ana Gralheiro, directora de uma escola onde estive, fica a amizade e admiração eterna. A pessoa que me respondeu, quando liguei a dizer que iria a editar um livro “Mas qual era a tua dúvida?” Um beijo enorme para ti.
E termino esta apresentação com uma ideia presente num dos textos, o facto de pisarmos vários palcos em vida. Os que desejamos, os que surgem inesperadamente, os que evitamos. Hoje terei palmas e terei palmas silenciosas, que me acompanharão o resto da vida. E nas palavras da minha mãe, dita são início pelo Mário Augusto, “tenho lá tempo para morrer, tenho mais que fazer”.Temos mesmo. Temos muito a fazer nesta fila de espera
A escola é uma instituição que tem, na sua génese, o objetivo de diminuir as diferenças sociais encontrando meios que permitam responder à sua comunidade educativa em concreto. A autonomia atribuída às escolas pretende precisamente isto: olhar para a sua envolvência. É seu papel mobilizar os seus recursos e conhecimento da comunidade de forma a conseguir responder com sucesso a todos os alunos, quer o aluno que possui todos os recursos; sociais, familiares e psicológicos, quer o aluno que não tem rede social, estrutura familiar ou psicológica que lhe permita uma base saudável para encontrar sucesso. Este é o espetro que a escola deve servir. É para este propósito que a escola existe.
O ensino regular é, segundo a declaração de Salamanca, o lugar de excelência para combater atitudes discriminatórias. No entanto existem grandes dificuldades descritas pelos professores do Ensino regular para trabalhar com a diversidade verbalizando bastas vezes a sua incapacidade para lidar com necessidades educativas especiais. As medidas são encaradas como uma necessidade protocolar e fazendo uso maioritariamente de uma educação formal mantendo-se as reuniões formais.
O caminho educativo tem-se pautado por ampliar a evidência da diversidade na nossa sociedade. As legislações vigentes expressam o caminho: aceitação e respeito pela diversidade; inclusão; autonomia das escolas. O objetivo é claro e justo. A sua operacionalização, por esbarrar com crenças pessoais, tem dificultado, muitas vezes, o caminho.
O trabalho isolado dos professores, continua a ser uma das maiores fragilidades, discutida e apontada, em vários fóruns educacionais. Após treze anos e após três anos de uma legislação que assenta de forma mais garrida na necessidade de caminharmos para a diversidade, as necessidades educativas especiais ainda parecem ser vistas como “os outros”.
Mesmo na presença de exemplos descritos como preditores de sucesso no respeito pela diversidade existem ainda exemplos que ficam presos apenas a uma educação formal, necessária de ser decretada, confinada a fotocópias do decreto e exposta em folhas de Excel.
Tenho a forte convicção, de que um dos aspetos fundamentais para um trabalho justo e digno é não apontar com um “holofote” para a diferença, nem assumir atitudes que denunciem um “eu” e os “outros”. Como se a sociedade se dividisse em dois. Atitudes paternalistas, enfatizadas ou demasiado infantilizadas prejudicam o autoconceito destas crianças. Pedro Calado afirmava no seu artigo: “Certos jovens afirmam que antes de entrar em contacto com diversos programas, não se apercebiam da sua não conformidade às normas nomeadamente devido ao abandono ou insucesso escolar. São os modos de abordagem dos interventores sociais que lhes inculcaram este sentimento e o(a) levaram a considerar o seu estatuto como uma deficiência social e, frequentemente, como necessitando de uma relação próxima da terapêutica.” (CALADO, 2014)
Os palcos onde se faz a verdadeira diferença não cabem em checklists, fotografias ou atividades momentâneas em dias específicos como o Dia Internacional da Pessoa com Diferença ou nos logotipos das cadeiras de rodas. Não cabem na burocracia formal em reuniões pontuais inscritas em tempos específicos no horário. Os palcos onde se faz a verdadeira diferença são, na maior parte das vezes, silenciosos, informais, em conversas de bastidores. Não se querem estridentes nem laissez-faire. Querem-se “nós” e nunca os “os outros”.
Se Vasco Santana fosse um entendido na Educação facilmente poderíamos resgatar uma das suas famosas frases e afirmar, convictamente, “Inclusões há muitas seus palermas”.
Há aquela “Inclusão de bolso”, sempre preparada para nos atirar com os clichés, dos mais fofinhos, aos mais descabidos. Entre eles temos o famoso: “Porque tu podes ser diferente, mas és igual a nós”, até ao “Mas estes meninos não são meus, deviam estar numa escola especial”.
A “Inclusão sabe tudo”: Os que têm na ponta da língua toda a legislação e um modus operandi por eles irrepreensível com base no diagnóstico e “cura” como uma espécie de livro do Pantagruel. Que venham novas legislações que não há nada de novo a aprender. É ver e aplicar.
A “Inclusão que não usa a palavra Inclusão” por deter como paradigma a diversidade e não um holofote constante sobre a diferença como forma de atos altruístas perante “os outros”. (Esta será aquela que me serve).
E há também, (haverá naturalmente e caricatamente, mais categorias) a “Inclusão by the book.”: gente entendida nesta área, com formação, que pretende usar “a” estratégia e “o” recurso adequado. Que pretende ensinar quem não sabe. Que centra, em 90%, nos preciosismos e tem dificuldade em avançar no que quer enquanto todo o estaminé burocrático e material exato, do catálogo exato, não estiver disponível.
Já muito foi dito sobre os três primeiros e por isso quero debruçar-me sobre este último. O “by the book” é um pouco mais difícil de desconstruir porque a verdade e a parte legal estão inegavelmente do lado que quem “a pratica”. É uma inevitabilidade. Por outro lado, há um aspeto que é por vezes esquecido: o valor da educação não formal e os bastidores da Educação Inclusiva. “Incluir” por livros e materiais desliga a nossa atenção no que é absolutamente essencial. As pessoas com que trabalhamos e os objetivos que pretendemos alcançar. Nada é “by the book” e nada, absolutamente nada, em educação é completamente linear. Desde a metodologia à avaliação. E esperar pelas condições atmosféricas certeiras para trabalhar, “para incluir” é absolutamente caricato.
Em praticamente nenhum momento, ou nem sempre, teremos todas as condições, todas as coordenadas, todo o plano para agir e atuar. Mas estes jovens existem todos os dias e não podem ficar à espera.
O ensino à distância é um exemplo concreto. Há anos que se apregoava a necessidade de educar os alunos, a população para as Tecnologias de Informação, embora saibamos que o lápis e a caneta ainda configuram uma elevada percentagem do ensino atualmente. Em tempo de pandemia não houve preparação, nem momento certo, houve uma necessidade de agir e, apesar de todos os defeitos, foi o que permitiu a continuidade da escola em casa.
Há um “book” para a inclusão, mas o “chapéu” da inclusão mora individualmente em cada um de nós. Consoante a nossa crença. E quando esta fixa e se fecha numa categoria, sem reflexão, funcionará de igual forma ao extremo que quer separar todos os alunos. Nós e os outros.
Ouviremos, sem sombra de dúvida, os arautos das várias “inclusões” apregoarem que as decisões terão de ser sempre em prol dos alunos. Esquecemo-nos, bastas vezes, que a nossa crença é autocentrada e raramente altruísta. Está assente na forma como perceciono o outro. É que raramente nos queremos enganar ou ter dúvidas, quando são estas que nos permitem crescer e encontrar outros caminhos.