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"Eu não gosto da escola"

por Maria Joana Almeida, em 24.03.16

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"Quando em Portugal perguntamos do que é que gostam na escola, as aulas aparecem em último lugar. Pior que as aulas, só mesmo a comida da cantina. E isto tem sido recorrente, somos sempre dos piores no gosto pela escola e na percepção de sucesso escolar. “ in https://www.publico.pt/sociedade/noticia/os-adolescentes-portugueses-tem-um-problema-com-a-escola-e-tem-piorado-1726154

 

Um recente estudo intitulado Health Behaviour in School-aged Children, que permite conhecer, de quatro em quatro anos os hábitos sobre diversas áreas do quotidiano dos adolescentes em 42 países mostrou uma realidade que não nos surpreende. Portugal está entre os países onde os adolescentes menos gostam da escola e onde demonstram um dos piores auto-conceitos relativamente ao seu desempenho escolar.

 

Tenho tido a oportunidade de apontar as áreas que carecem de uma mudança. Já quase sabemos de cor o que deveria mudar. Numa conduta diletante verbalizamos o que está mal apontado os erros e falhas muito cientes das nossas certezas mas ao mesmo tempo pouco sabedores de como mudar.

 

Numa conferência onde participei tive a oportunidade de ouvir Vitor Cruz falar sobre Dificuldades de Aprendizagem. Num dos seus slides conseguiu resumir, no meu entender, a questão essencial e um dos grandes problemas do nosso sistema educativo. (Imagem deste post)

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 “O problema não são os colegas — que são, na verdade, o que os portugueses mais gostam na escola, seguindo-se os “intervalos” entre aulas. O problema são mesmo as aulas, consideradas aborrecidas, e “a matéria”, que é descrita como excessiva (…)” menciona o estudo. in https://www.publico.pt/sociedade/noticia/os-adolescentes-portugueses-tem-um-problema-com-a-escola-e-tem-piorado-1726154

 

A escola ensina-nos o Teorema de Pitágoras, as Orações Subordinadas, o Past Simple, o Passé Composé, a Fotossíntese a um ritmo acelerado. São conteúdos importantes e necessários para um percurso que passa obrigatoriamente por estas bases. Mas devemo-nos perguntar: Qual o interesse das Orações Subordinadas para um adolescente que tem como maior preocupação naquele momento saber que pertence a um grupo; que anda a tentar compreender o que quer e por aquilo que está a passar, muitas vezes a viver num contexto socioeconómico que não lhe permite o mesmo acesso à informação que outros, ou que no fundo lhe permite um acesso por diferentes vias daquela que uma escola “standartizada” está disponível para dar.

 

Gosto de usar a imagem do Mandarim. Imaginem-se, atirados de repente, para uma aula de Mandarim, sem conhecimento ou motivação prévia e onde não se fala outra língua. É uma imagem bastante ilustrativa de muitos dos nossos alunos nas salas de aula que não acedem à informação.

 

“E porque é que eu aprendo Mandarim?” Este é outro grande desafio. Explicar porque temos de aprender uma série de conteúdos, como o Teorema de Pitágoras, e qual a sua utilidade prática. Porque, numa idade adulta, eu posso apontar várias razões para aprender Mandarim. Por curiosidade, por uma decisão pessoal, por uma motivação de caratér económico. 

 

Como desconstruímos uma escola para que trabalhe no sentido de aliar à prática, sempre à prática, o que é transmitido? Digo não ao facilitismo, mas digo sim a comprometermo-nos com os nossos alunos. Ao comprometermo-nos com um sistema que bradamos aos 7 ventos que não concordamos, mas que acabamos por compactuar, deixamos de nos comprometer com a nossa profissão.

 

Este estudo é mais um abrir de olhos para aquilo que tantos profissionais da educação têm escrito e apontado como as áreas a mudar. Não é “bater no ceguinho” é continuar a alertar para o caminho que acredito que vive no limiar da mudança inevitável.

 

 

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publicado às 00:18

5 perguntas, 5 respostas com Rodolfo Castro - "O pior contador de histórias do mundo"

por Maria Joana Almeida, em 16.03.16

 

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“Quando comprovei que não podia ser o melhor decidi ser o pior..”

 

Tive o privilégio de ter uma  formação com o Rodolfo e não podia deixar de lhe pedir um breve contributo sobre a importância das histórias.

 

 

Rodolfo Castro nasceu em Buenos Aires e formou-se no México. Intitulou-se como “O pior contador de histórias do mundo”, uma designação que revela uma interessante antítese. Aos primeiros cinco minutos de ouvir Rodolfo, qualquer pessoa se apercebe que estamos perante um dos melhores contadores de histórias de sempre.

Começou a contar histórias profissionalmente em 1993, antes disso passou por várias atividades. Trabalhou como pedreiro, carteiro, sapateiro, vendedor ambulante. Passou pela atuação, pelo futebol, pela música e foi professor do Ensino Básico.

É escritor e formador creditado na área de literatura e contos vivendo atualmente me Portugal. Faz parte da editora GATAfunho e conta já com várias obras da sua autoria.

Podemos encontrar o Rodolfo aos domingos de manhã na Livraria GATAfunho em Oeiras para ouvir uma das suas histórias.

 

 

1- Crescemos a ouvir histórias continuamos a ouvir e contar histórias ao longo da nossa vida. Qual é o seu grande impacto no nosso crescimento?

 

Somos as nossas histórias. Contar e ser contados é essencial para o ser humano. As histórias são a nossa intuição do outro e a nossa memória do que nunca aconteceu e do que ainda acontecerá. Um ser humano em qualquer etapa da sua vida constrói o seu mundo através de histórias que se conta a sim próprio e aos outros.

 

 

2- Como se tornou contador de histórias, qual foi a principal motivação?

 

 A supervivência. Sempre fui um busca-vida sem profissão estável e com muitas ganas de mudar. Os contos me deram essa possibilidade de estar em muitas partes, não só de forma fictícia, mesmo na realidade os contos me levam de um lugar a outro.

 

 

3- Olhando para o nosso sistema educativo e numa perspetiva de anos letivos, como vê a abordagem que é feita das histórias?

 

De forma geral vejo que a escola faz das histórias e contos “ferramentas didáticas” e esquece ou põe de lado a componente estética, literária, recreativa, lúdica, emocional e sensorial da leitura. Só se lê para aprender, para retirar ensinamentos e regras de conduta, e para cumprir com objetivos programáticos. Não há suficientes momentos de leitura livre. Isto esmaga o prazer leitor e em poucos anos forma ex-leitores aborrecidos com os livros. 

 

 

4- No momento de escolher uma história para contar, quais os principais requisitos que deveremos ter em consideração?

 

Gostar dela. Evitar o didatismo. Procurar os livros que além da beleza das ilustrações contem uma história que não seja óbvia.

 

 

5- O Rodolfo tem muita experiência em contar histórias em escolas. De que modo as histórias podem ajudar no percurso educativo e ser uma boa aliança com a escola?

 

Atualmente a leitura não é uma aliada da escola… é a sua escrava. Se queremos que a leitura seja uma aliada e uma fonte de aprendizagem e experiências temos que abrir o leque: mais livros, bibliotecas escolares com acervos atualizados, leituras que não estejam sempre sujeitas aos objetivos curriculares. Professores e professoras que gostem de ler e se preocupem por ler bem em voz alta, e que os que já o fazem parem de moralizar continuamente cada vez que lêem um livro as crianças. Ninguém merece que o estejam a educar todas as horas de todos os dias de toda a sua vida. É um martírio! Penso que para a escola seria bom liberar-se de tantas obrigações e ligaduras e dar mais espaço à espontaneidade e à alegria. Assim a relação com a leitura, vida das crianças e a saúde mental da sociedade melhoraria.

 

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publicado às 11:07

Conta-me uma história.

por Maria Joana Almeida, em 07.03.16

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Crescemos a ouvir histórias, passamos a nossa vida a contar histórias, quer seja através de livros, quer seja enquanto professor ou em qualquer outra profissão. As histórias ensinaram-nos a viver. De uma certa forma facilitaram muitos processos e noutras situações (continuam) dificultaram muitas certezas.

 

Sei reconhecer o valor e a importância das histórias, mas só verdadeiramente compreendi o seu poder depois de uma formação que tive o prazer de participar com Rodolfo Castro, professor, contador de histórias, ator, escritor.

 

Não me quero alongar muito no perfil de Rodolfo uma vez que pretendo realizar uma breve entrevista para melhor dar a conhecer o seu trabalho, nem me quero alongar em todos os conteúdos abordados. Quero sim transmitir as ideias principais acerca da importância das histórias.

 

Um dos primeiros desafios colocados foi tentar recordar-nos da nossa primeira memória e qual a nossa idade. Verificámos que praticamente todos temos a nossa primeira recordação aos 2, 3 anos. Antes disso muito dificilmente. Reflecti sobre a questão e adiantei um pensamento. É nesta idade que adquirimos linguagem e é a linguagem que nos permite ter pensamento e permite construir memória. Desta forma vamos entendendo o mundo.

 

Outro desafio foi responder à seguinte questão “As crianças têm imaginação?” É consensual dizermos que sim. A verdade, tal como apontou Rodolfo, é que as crianças não tem imaginação, elas repetem um comportamento, reproduzem o que vêm. Elas acreditam, não imaginam. Fantasia e realidade são, em tenras idades, a mesma coisa. O papel das histórias, aquilo que as histórias fazem é proporcionar às crianças experiências. Experiências reais que lhes permite a base da imaginação.

 

Em muitos momentos são as histórias que permitem aos adultos conseguir comunicar e perceber a forma como as crianças percepcionam o mundo. À medida que uma criança ouve uma história, ou constrói uma história está, na realidade, a falar sobre si.

 

Como exemplo, o Rodolfo partilhou um acontecimento sobre a sua própria filha. No infantário contaram-lhe pela primeira vez a história do Capuchinho Vermelho. Quando chegou a casa a filha chorava porque a avó do Capuchinho tinha desaparecido. Como pai, Rodolfo não gostou daquela situação, mas a verdade é que passado pouco tempo a filha perdeu a avó e através da vivência da história, já havia contactado com esta realidade e pôde ter uma referência no sentimento. As histórias ajudam a viver realidades que as crianças dificilmente poderão viver permitindo referências para acontecimentos futuros.

 

E o que acontece às histórias quando crescemos? Enquanto crianças gostamos que nos contem histórias, vivemos pelas histórias compreendendo assim o mundo. No entanto existe uma altura na nossa vida onde esse prazer parece desaparecer. A escola, de facto, compactua com esse desaparecimento. Existe um momento onde as histórias ganham uma carga curricular, deixam de ser livres e passam a ser obrigatórias, ora pelo plano nacional de leitura, ora pelo plano curricular, sempre com a premissa de estarmos muito sossegadinhos a ler, ou ouvir, como se uma história fosse estática. É comum a exigência de uma ficha de leitura, de uma análise da história, sublinhar adjetivos, sublinhar tempos verbais. Deixa-se de ler pelo prazer de ler.

 

O valor e a importância da história livre decresce à medida que a leitura obrigatória se impõe e este aspeto é exponencial em relação à motivação. Não quero diminuir a importância destes exercícios sobre a leitura, quero sim alertar para a importância de criar momentos mais livres. O que retiramos de uma leitura livre é por vezes mais importante do que uma leitura “orientada”.

 

A escolha das histórias para crianças e jovens (até adultos) é também importante. O que quero transmitir? Quem vai ouvir? Existem no mercado muito bons livros, não só com belíssimas ilustrações, mas com um conteúdo mais real, sem lugares comuns, que permite maior capacidade de reflexão. Não se extingue nas princesas de cor-de-rosa no castelo à espera do príncipe. Promovem novos horizontes, desbloqueiam morais cristalizadas e é este o seu grande poder.

 

À semelhança das palavras de Rodolfo, a moral não deverá ser um critério importante na escolha de uma história, simplesmente porque a moral não está nos livros mas sim em nós. É importante passar mensagens, é importante dar a conhecer e não condicionar. Se tivermos como público adolescentes, não nos devemos coibir de abordar situações violentas e contraditórias, elas existem. As histórias servem para criar imaginação, poder de reflexão, pensamento. Especialmente quando são livres.

 

Hoje, para mim, ouvir uma história tem-se traduzido no cinema. Vou ao cinema para ouvir uma história, sentar-me e deixar-me envolver. Assim como nos livros escolho aqueles que sei que me vão dizer algo. Aprendi que não interessa o que autor/ realizador quis dizer ou que mensagem pretende passar porque essa mensagem é sempre exclusivamente nossa.

 

Retiramos das histórias o que precisamos. Elas refletem as nossas vivências, a nossa sensibilidade, o nosso modo de encarar o mundo. E desta forma vão ajudando no nosso percurso.

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publicado às 21:27


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